Ao lado da soja, TVs. Pertinho do milho, motos. Com a crise econômica, muitas indústrias têm buscado reduzir custos logísticos para fazer a mercadoria chegar ao cliente. O resultado é que produtos tradicionalmente transportados por caminhões passaram a ser levados em contêineres sobre trens, modal associado ao transporte de grãos e commodities. Segundo estimativas de mercado, o preço do frete nas ferrovias é de 15% a 20% inferior ao rodoviário. Mas o que se ganha no bolso perdesse na velocidade. O tempo de viagem sobre trilhos é quase o dobro do feito nas estradas.
Segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), a quantidade de contêineres nas ferrovias cresceu 32% em 2014. Em 2015, a estimativa é que o ano tenha fechado com alta de 20% na movimentação, totalizando 480 mil unidades.
Essa migração de carga do caminhão para o trem está impulsionando os negócios das operadoras de ferrovias. A MRS, por exemplo, viu crescer sua movimentação de contêineres em cerca de 35% em 2015, para quase 60 mil contêineres de 20 pés ou 60 mil TEUs (a unidade padrão do “caixote”). Em 2014, a expansão foi de 8%. Segundo Elisa Guimarães Figueiredo, gerente comercial de industrializados e granéis da MRS, foram 34 novos clientes no ano passado apenas para o segmento de contêiner. Até cílio postiço embarcou nos trens da empresa, conhecida pelo transporte de minério de ferro e produtos siderúrgicos.
— O cílio postiço foi apenas uma vez. Mas já estamos transportando tablets, TVs, motocicletas, fita crepe, louça sanitária. Estamos com novos clientes no setor de alimentos e bebidas — disse Elisa.
Tempo de transporte é maior
A fabricante de TV que contratou os serviços da MRS no ano passado fica na Zona Franca de Manaus (AM). Para alcançar seu principal mercado consumidor, o estado de São Paulo, a maior parte das empresas instaladas no polo costumava despachar as TVs de balsa até Belém. De lá, os aparelhos iam por rodovia até São Paulo. Considerando o trajeto de ponta a ponta, são dez dias em média. Agora, muitas empresas optaram pela ferrovia. O novo itinerário mantém a primeira perna até Belém e segue por navio até o Porto de Santos (SP), onde embarca em um trem até Sumaré (SP). E segue para as redes varejistas de caminhão. Na ponta do lápis, são 18 dias.
Na Brado, braço da ALL para transporte de contêineres, esse movimento também cresceu. A novidade em 2015 foi a chegada de toras de madeira aos trilhos da empresa. Segundo Marcelo Saraiva, diretor de Operações da Brado, a madeira vai de Rondonópolis (MT) até o Porto de Santos e de lá é exportada. Para percorrer os 1.600 quilômetros de extensão da ferrovia que liga as duas cidades, são cinco dias. De caminhão, estima Saraiva, a viagem dura dois a três dias.
— Em 2015, crescemos 5% e vamos buscar ampliar o transporte de contêineres em 10% em 2016 — diz o executivo da Brado.
Há outros exemplos: uma fabricante de sucos sediada em São Paulo usa a ferrovia da MRS para chegar ao terminal portuário de Santos, de onde os produtos seguem em navios até Suape (PE). Um trajeto feito em dez dias. Por caminhão, o tempo de viagem é de cerca de seis dias, segundo estimativa de mercado. Como a economia vai mal, a demanda caminha a passos lentos e os estoques estão elevados, os fabricantes não estão com pressa para fazer o produto chegar às prateleiras. A ordem, agora, é cortar custos. Por isso, acabam optando por um transporte mais barato, embora mais lento.
— (O maior uso de contêiner) é uma tendência natural. Além de mais barato, o trem é mais seguro, com menos acidentes e roubos — disse Renato Araújo, diretor operacional da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut).
A busca pelo contêiner teve uma primeira onda há cerca de quatro ou cinco anos, quando produtos transportados a granel passaram a fazer a viagem sobre trilhos nos caixotes de metal. Isso aconteceu quando os armadores reduziram o preço do frete da carga transportada em contêineres em navios, com o objetivo de diminuir a quantidade deles que voltavam vazios para o país de origem. Até então, o país importava produtos que vinham em contêiner da China, por exemplo, e os enviava de volta sem nada para buscar mais mercadorias. Com a redução do frete, sacos de açúcar e soja passaram a ser levados nos caixotes para atender a demanda chinesa.
Fatia ainda é pequena
A opção pela ferrovia reduz o protagonismo da estrada, mas não a elimina. Em geral, o caminhão entra em cena ao menos duas vezes: leva a mercadoria da fábrica à estação do trem e do trem até o centro de distribuição da fabricante ou ao varejo.
— Há uma reorganização dos modais — frisa Elisa, destacando que a MRS reativou, em novembro, um terminal no Rio, o Terminal São Geraldo, na Baixada Fluminense, visando, entre outros objetivos, à ampliação do transporte de contêiner e que fica a 30 quilômetros do porto do Rio e a 70 quilômetros do porto de Itaguaí.
Ainda assim, a fatia dos contêineres nas ferrovias é pequena se comparada à movimentação de minério de ferro, soja e outros grãos. Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), não passa de 1% do total de carga movimentada nas ferrovias.
Fonte: O Globo