Como já se sabe, a 11ª Pesquisa Nacional de Desempenho dos Fornecedores de Serviços de Transportes serviu de base para a indicação das empresas Top do Transporte 2017. A pesquisa mede, entre outros dados, o Índice de Multiplicidade, que representa a evolução do número de transportadoras que prestam serviços para os embarcadores em cada ano.
A análise dos últimos dados revelou que, após ter atingido o valor máximo de 2,9 transportadoras por embarcador, em 2015, o índice registrou uma queda consecutiva nos últimos dois anos. Atualmente, a média de 2,2 transportadoras por embarcador retomou os valores registrados pelo Top do Transporte de 2013, quando havia um cenário econômico de crescimento.
Pesquisa
Estas variações do Índice de Multiplicidade refletem os resultados obtidos na pesquisa qualitativa realizada pelo ILOG – Instituto Logweb de Supply Chain e Logística (Fone: 11 3964.3744), entre maio e julho de 2017.
Usando a técnica de entrevistas em profundidade, foram ouvidos nove gestores de empresas representativas da indústria: Roy Morales, diretor de Logística da Fini; Paulo Simioni, vice-presidente da Coopercarga; Reginaldo Debrino, Logistics Manager Brazil da 3M; Paulo Alberto Pinho, diretor de operações no Brasil da Sherwin-Williams Brasil; Newton Santos, gerente de Logística da Rich do Brasil; Renato Takacs, do setor de Compras Indiretas da Decathlon; Erico Morita, gerente de Operações da Mastersense; Adriana Bueno, gerente nacional da Ypê; e Rubens Prado, coordenador de logística da Natura.
Os entrevistados relatam que a grande agitação sentida no setor de transporte nos últimos anos resultou, primeiramente, da proliferação de novas empresas no mercado, que surgiram no esteio do otimismo econômico e, em segundo lugar, da retração sofrida com a crise, que resultou no fechamento de muitas transportadoras, no redimensionamento de outras e em uma reengenharia do mercado.
Morita, da Mastersense, confirma que sentiu uma movimentação significativa de abertura e fechamento de empresas. “A todo o momento aparecia uma nova empresa oferecendo transporte e, ao mesmo tempo, outras empresas fechando”, diz.
É difícil medir o tamanho da retração do transporte rodoviário. Santos, da Rich Brasil, no entanto, tem com um número aproximado, com base nas informações que obteve junto dos seus contatos. “Acredito que o mercado teria encolhido cerca de 40% desde o início da crise”, revela.
O certo é que a estimativa de desemprego no setor foi uma das mais altas, chegando a -19%, segundo artigo de Federico Vega, CEO da CargoX, publicado no site da empresa (“As consequências da crise para o mercado de transporte de cargas rodoviário”).
Muitas empresas também se viram obrigadas a redimensionar o seu tamanho e as suas operações para enfrentarem as consequências da crise. Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Transporte realizada em 2016 com 795 transportadoras, 60% das empresas sofreram queda nas receitas brutas, 59% reduziram o número total de viagens e 75% registraram aumento nos custos operacionais.
Mas a crise não foi somente negativa e se configurou como um cenário de oportunidade para alguns, forçando uma reengenharia no mercado, com empresas fragilizadas sendo compradas por outras, mais robustas. “As aquisições acontecem nesses momentos, mas isso teve um efeito positivo porque o mercado deu uma selecionada nas transportadoras, ficando as mais profissionalizadas”, constata Debrino, da 3M.
Mudanças no setor de transporte rodoviário
A crise nas empresas de transporte não gerou apenas a retração do mercado e a reengenharia. A pesquisa do ILOG detectou mudanças na forma como o mercado de transporte funciona, tanto nas estratégias de go-to-market, quanto na organização interna das transportadoras.
No go-to-market destacam-se as três tendências a seguir.
1) Diversificação de clientes: As transportadoras que trabalhavam com produtos Premium, como os eletrodomésticos, foram muito impactadas. Elas se viram forçadas a buscar clientes com produtos de menor valor agregado e a diversificar a sua carteira, para compensar a diminuição de demanda da indústria. “Essas transportadoras viram seu negócio cair de 100 para 0 e não tinham expertise para atuar em outros mercados que tarifassem menos. Com a crise, o transportador está aprendendo a criar um portfólio de clientes com diferentes carteiras: bens de consumo, medicamentos, etc.”, expõe Adriana, da Ypê.
2) Aumento de agregados: Apesar do fechamento de muitas empresas de transporte, o nicho de agregados cresceu. Com o aumento do desemprego, uma alternativa para muitos foi comprar um caminhão e tentar prestar serviço. No entanto, para embarcadores de grande porte, não é alternativa de transporte, pois representa uma solução de alto risco. Mas para embarcadores menores, que precisam cortar seus custos, é, sim, uma opção. “Este grupo é pouco profissional e, apesar de não ter qualidade, é barato e, por isso, contribui para pressionar os preços do mercado em certos segmentos”, observa Santos, da Rich Brasil.
3) Aproximação de transportadoras e embarcadores: A busca por soluções que ajudem a minimizar os efeitos da crise aproximou fornecedores e clientes. Segundo Prado, da Natura, estes dois lados do mercado iniciaram uma colaboração para buscar soluções conjuntas. Debrino, da 3M, considera que se trata de uma tendência de colaboração que irá crescer, porque quem permaneceu no mercado é mais profissional e quer otimizar o serviço.
Quanto à organização interna das transportadoras, a pesquisa encontrou diversas medidas que contribuem para melhorar a gestão do negócio.
1) Planejamento: Vários entrevistados defendem que, apesar de a crise ser o fator primordial do fechamento das empresas, muitas teriam sobrevivido se tivessem se planejado. Embora um número crescente de transportadoras não esteja mais condicionado ao ganho por frete, como acontecia há alguns anos, o planejamento em médio prazo ainda não se transformou numa prática generalizada. Mas foi precisamente o planejamento que se tornou um diferencial competitivo das empresas que sobreviveram e continuam no mercado. Morita, da Mastersense, defende que aqueles que conseguiram se estruturar saíram na frente. E foi exatamente isso que a Coopercarga fez. De acordo com Simioni, a empresa começou seu planejamento em 2014, prevendo já essa situação de crise que vinha pela frente. Um dos aprendizados da crise é esse olhar no médio prazo, que mescla a habilidade de compreender as tendências do mercado com as ações que precisam ser implementadas na empresa.
2) Preocupação com custo: A rentabilidade das transportadoras tem diminuído com o passar dos anos. Adriana, da Ypê, recorda que este mercado não era regulamentado, mas com as mudanças na legislação, a passagem para a formalidade reduziu a rentabilidade do setor. “No entanto, foi a crise que forçou uma análise dos custos”, ressaltou. Para Simioni, da Coopercarga, o crescimento econômico que vinha acontecendo mascarava muita coisa. “Quando há crescimento e faturamento, não se olha tanto para dentro de casa, para o custo com pessoal. Mas quando a crise chega, para a empresa sobreviver, é preciso reavaliar todos os custos.” Adriana, da Ypê, acrescenta que hoje há muitos fornecedores contratando consultorias para analisar rentabilidade e custos internos. “Há 15 anos, transportadoras não faziam isso. O negócio era só na negociação da tarifa. Esses são aprendizados que ficam.”
3) Profissionalização das equipes e processos: O mercado tem vindo numa tendência de profissionalização, mas a necessidade de cortar custos e ajustar equipes e processos internos também contribuiu para profissionalizar o setor, e se transformou em mais uma vantagem competitiva. “As empresas que profissionalizaram as suas equipes, colocaram Sorter, operacionalizaram e atualizaram a sua frota ganharam mercado. Como muita gente quebrou, o volume que era atendido migrou para alguém. E quem pegou foram aqueles que estavam preparados”, comenta Debrino, da 3M.
4) Aumento da tecnologia: Embora não seja consequência da crise, mas um reflexo do momento que a sociedade vive, qualquer transportadora que queira continuar no mercado precisa investir em tecnologia e se adaptar a esta nova realidade. A tecnologia facilita a gestão, aumenta a produtividade e permite diminuir custos, sendo a chave para uma mudança de cultura nas empresas. Transportadoras que resistem a essa mudança e dizem que “sempre fizeram assim” estão trilhando o caminho para o fracasso.
5) Aprendendo a ser gestor de negócios: O transportador que ainda não tinha um perfil de gestor foi obrigado a desenvolvê-lo. Adriana, da Ypê, diz que esse profissional aprendeu a definir onde estão as falhas de processo que mitigam o custo, a diversificar e a gerir o seu custo operacional. Segundo ela, a linha de pensamento do empresário mudou muito. “O que vai fazer um transportador continuar no mercado é gestão, ou seja, se ele faz um bom trabalho de custo operacional e tem um bom controle de gestão de risco”, acrescenta.
Apesar de predominar o otimismo sobre a retomada econômica, a percepção sobre um setor tão sensível às flutuações da economia, como é o de transporte, é a de que a recuperação vai levar mais tempo para acontecer. Para Santos, da Rich Brasil, o transportador foi o primeiro a sentir o impacto da crise no Brasil e vai ser o último a conseguir se recompor.
No entanto, Simioni, da Coopercarga, alerta para os perigos ocultos na retomada. “Receio que qualquer retomada econômica no Brasil possa gerar um caos logístico. Vai faltar caminhão e as montadoras que reduziram a produção não serão capazes de voltar a produzir no mesmo ritmo das demandas”, prevê. Na verdade, ele diz que algumas montadoras já estão negociando entregas só para o final deste ano.
Este tema, que relaciona a retomada econômica e os gargalos da logística, foi antecipado pelo ILOG e abordado no primeiro evento organizado pela entidade, em janeiro deste ano. Os demais resultados da pesquisa serão publicados em diferentes edições da Logweb.