Para falar sobre o setor portuário, entrevistamos o novo diretor-presidente da ABTP – Associação Brasileira dos Terminais Portuários, José Di Bella. Formado em engenharia naval pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e com mestrado em Engenharia Naval na mesma escola, Di Bella tem ampla experiência em logística de transportes e no setor portuário. Foi presidente da Codesp – Companhia Docas de São Paulo, secretário adjunto da extinta Secretaria de Portos, diretor da MSC e da Rumo Logística S.A.
A ABTP, entidade que lidera, reúne mais de 70 empresas titulares de mais de 170 terminais portuários privados responsáveis por 70% da movimentação de cargas nos portos públicos e privados do Brasil.
Modal Marítimo: Quais as perspectivas para o setor ainda para este ano?
José Di Bella: O setor portuário está em um processo de arrumação neste ano de 2017. A recuperação dos volumes nas importações, principalmente de produtos ligados ao consumo, transportados em contêineres, teve grande queda nos últimos anos, fruto da recessão pela qual passa nosso país. Por outro lado, temos tido um avanço consistente nas exportações do agronegócio. Este cenário demanda reprogramação de investimentos em alguns casos. Porém, com a aprovação do Decreto 9.048, em 10 de maio deste ano, [que visa flexibilizar e desburocratizar as regras de operação para concessões, arrendamentos e também para terminais de uso privado] e a aplicação das novas regras para o setor, esperamos que possam atrair mais investimentos que mudem a realidade dos portos brasileiros. Desburocratizando os processos, esse crescimento será sentido em vários setores produtivos do país com a rapidez que o mercado determina.
A melhoria dos serviços das administrações portuárias na manutenção dos acessos dos portos brasileiros, quer sejam eles por terra ou pela água, são de extrema importância para que os terminais portuários possam atuar com eficiência. Investimentos nos acessos portuários, rodoviários e ferroviários, principalmente neste último, são determinantes para compatibilizar a capacidade dos terminais com os modais de acesso. A manutenção das profundidades do canal de navegação e berços, através dos serviços de dragagem contratados pelas autoridades portuárias e pelo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, são determinantes na capacidade e eficiência do transporte marítimo. Canais de navegação assoreados ou com geometria inadequada impedem o tráfego de navios de maior capacidade, consequentemente aumentando o custo do frete marítimo e retirando capacidade de atendimento dos terminais portuários.
Alternativas de melhoria da gestão dos portos públicos vêm sendo analisadas tanto pelo poder público, com estudos de modelos de privatização ou concessão das Companhias Docas, quanto pela iniciativa privada, através de propostas de condomínio privado, gerido pelos terminais e operadores portuários, para execução dos serviços de dragagem de manutenção do Porto de Santos.
É necessário que se melhore os serviços da administração portuária com urgência, sob risco de colapso do sistema portuário nacional, que traz enormes prejuízos para a economia do país.
O setor portuário tem bilhões de reais da iniciativa privada disponíveis para investimentos. Dados do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil mostram que, nos próximos 25 anos, dos R$ 51 bilhões de investimentos no setor para dobrar a capacidade dos portos brasileiros em relação à atual, apenas R$ 4 bilhões virão do orçamento público. Todos os outros recursos precisam ser atraídos junto ao setor privado. É mais do que hora de superarmos essa situação. O país precisa retomar seu crescimento, com regras claras, transparentes e que promovam sustentabilidade.
MM: Quais os maiores desafios que os terminais portuários vêm enfrentando atualmente?
JDB: Nosso maior desafio é poder atender o crescimento da demanda de serviços com qualidade e a tempo para que as janelas de oportunidade da corrente de comércio brasileiro sejam atendidas com eficiência e trazendo competitividade. Para que possamos conseguir estes patamares de excelência é necessário reduzir a intervenção do Estado na atividade portuária, assim como obter o aumento da segurança jurídica para os investidores e a redução excessiva da burocracia no setor. São condições para atrair investimentos privados nos terminais em todo o país e tornar a atividade mais ágil para sua tomada de decisões. Só assim o setor estará apto a receber os aportes necessários para revitalizar os terminais e, acima de tudo, torná-los mais eficientes e ágeis.
MM: Como vencer esses desafios?
JDB:Com o importante avanço no que se refere à revisão das normas infralegais, por meio do recém-assinado Decreto nº 9.048, nossa expectativa é que possamos atrair cerca de R$ 25 bilhões em investimentos nos próximos anos. Os portos brasileiros precisam desses recursos para que os terminais portuários possam gerar capacidade e eficiência para atender o crescente aumento da corrente de comércio exterior, bem como ter investimentos na infraestrutura portuária e de seus acessos a cargo das autoridades portuárias e do poder público.
Neste sentido, as entidades do setor portuário defendem há anos a desburocratização do setor. O decreto de maio avança ao contemplar propostas referentes à simplificação dos processos de investimentos, ao aumento da segurança jurídica, à possibilidade de responder ao crescimento da demanda aos novos prazos dos arrendamentos e à possibilidade de adaptação de contratos para a operação dos terminais portuários em todo o país.
No entanto, ainda é preciso estar atentos para promover as adaptações em regras e contratos vigentes e assegurar melhorias em processos, como, por exemplo, os de licenciamento ambiental. Para a ABTP, a questão do licenciamento ambiental é emblemática e ilustra como o excesso de burocracia e de intervenção estatal no setor portuário afasta ou atrasa investimentos.
MM: Como a situação política e econômica turbulenta do Brasil tem afetado o desenvolvimento dos terminais portuários?
JDB:As exportações de produtos agrícolas vêm apresentando expressivo crescimento, algo em torno de 6% neste primeiro semestre de 2017, acompanhado por aumento de volumes em todos os segmentos portuários, em 4,7% neste primeiro semestre sobre o ano anterior. Embora a situação econômica e política do país seja um limitador do crescimento e do desenvolvimento dos setores produtivos, a burocracia ainda é o grande freio, que impede o avanço de processos fundamentais ao destravamento do setor portuário no Brasil. Não fossem as normas e a desconsideração de princípios constitucionais, como da livre iniciativa, certamente o setor teria avançado no pleito por uma regulação mais leve e inteligente.
MM: Que novidades tecnológicas estão sendo adotadas nas operações de carga e descarga para melhorar o desempenho dos portos?
JDB: Os terminais portuários vêm se equipando para prestar serviços de excelência e qualidade. Hoje operamos com eficiência e taxas de padrão internacional comparadas aos melhores portos do mundo. Investimentos em equipamentos de carregamento de navios como portêineres, para atender ao padrão de navio que opera no novo canal do Panamá, que teve aumento significativo de suas dimensões principais, permitindo navios com comprimento de até 427 m, boca de 55 m e calado de 18,3 m. Estes novos parâmetros demandam o reaparelhamento dos principais portos nacionais. No lado do granel há também a necessidade de atendermos a crescente demanda na exportação dos produtos agrícolas que vem sendo alcançada com investimentos em novos sistemas de recepção de carga, armazenagem e de carregamento de navios. Neste sentido é importante ressaltar que a melhoria na recepção de cargas por ferrovia é fator determinante para obter aumento de capacidade com eficiência.