ECONOMIA – INSTITUTO LOGWEB – A importância da indústria

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo – Doutor em economia. Autor de vários livros e professor titular da Unicamp e Facamp

Em sua investigação sobre a chamada Revolução Industrial, o historiador Carlo Cipolla escreveu: “A Revolução industrial transformou o homem agricultor e pastor no manipulador de máquinas movidas por energia inanimada”. Imagino que alguns economistas brasileiros pretendam submeter a constatação de Cipolla a um teste econométrico baseado numa série temporal que colhe informações desde o Neolítico até as primeiras décadas do século XIX.
À falta de tão requintados procedimentos da positividade empirista, só nos resta recorrer aos pacientes trabalhos de Angus Maddison. No livro “The World Economy”, Maddison estima que, entre 1820 e 1913, a renda per capita na Grã-Bretanha cresceu a uma taxa três vezes maior que aquela apresentada no período de 1700-1820. A publicação da “Riqueza das Nações” e o aperfeiçoamento para fins comerciais da máquina a vapor de Newcomen por James Watt no mesmo ano, 1786, talvez forneçam testemunho ainda mais confiável a respeito da radical ruptura no modo de produzir e nas formas de regulação da vida econômica e social.
Aí nasce, de fato, o capitalismo, logo adiante sobranceiro em sua autodeterminação, alcançada mediante a constituição das forças produtivas ajustadas à sua natureza irrequieta. Assentada sobre suas bases materiais, a economia da indústria promove a nova sociabilidade, aquela amparada nas realidades do assalariamento generalizado e nas aspirações de liberdade e de autonomia individual. Na mesma toada, o industrialismo capitalista suscitou o desenvolvimento da metrópole, tabernáculo da modernidade, cuja efervescência cultural, não raro, exprime as misérias sociais nascidas das turbulências do progresso. É aconselhável consultar, entre outros, Balzac, Dickens, Baudelaire, Flaubert e Zola.
O surgimento da indústria como sistema de produção apoiado na maquinaria carrega nos ossos o progresso técnico, move a divisão social do trabalho e engendra diferenciações na estrutura produtiva, promovendo encadeamentos intra e interssetoriais. Os autores do século XIX anteciparam a industrialização do campo e perceberam a importância dos novos serviços funcionais gestados no rastro da expansão da grande empresa industrial e promovidos pela racionalização e burocratização dos métodos administrativos.
O avanço tecnológico livra progressivamente a agricultura dos caprichos da natureza. Da mesma forma, há que considerar as relações umbilicais entre a Revolução Industrial e a revolução nos Transportes e nas Comunicações. É reconhecida a mútua fecundação entre a constituição do setor de bens de produção – apoiado nos avanços da metalurgia e da mecânica – e a expansão da ferrovia e do navio a vapor.
Essa reordenação da economia exigiu uma resposta também pronta dos países retardatários. Para a Alemanha de Bismark, para os Estados Unidos de Alexander Hamilton e para os japoneses da revolução Meiji, a industrialização não era uma questão de escolha, mas uma imposição de sobrevivência das nações, de seus povos e de suas identidades.
A industrialização dos retardatários se confunde com as inovações da Segunda Revolução Industrial. O aço, a eletricidade, o motor a combustão, a química e a farmacêutica são os protagonistas dos combates competitivos Belle Epoque. As transformações financeiras do crepúsculo do século XIX promoveram a centralização do capital requerida para o aumento das escalas de produção implícitas nas novas tecnologias. Isso seria inconcebível sem a concentração das relações de débito-crédito nos bancos de depósito e nas proezas dos bancos de negócios, sôfregos em “fixar” o capital-dinheiro em novos investimentos.
É descuido imperdoável ignorar que algumas inovações da Segunda Revolução Industrial do final do século XIX – especialmente a ampliação da capacidade dos navios a vapor, o navio frigorífico e o telégrafo – “produziram” os produtores de alimentos e matérias primas nas regiões periféricas. A rápida escalada industrial dos Estados Unidos e a incorporação da Argentina, da Austrália, da Nova Zelândia e do Brasil reconfiguraram a divisão internacional do trabalho e atraíram milhões de trabalhadores lançados na miséria pela depressão da agricultura europeia.
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Depois do surgimento do capitalismo industrial, mais precisamente depois de 1850, diz Cippola, o passado não era apenas o que havia passado. O passado estava morto. A partir de então, o Prometeu Desacorrentado foi incansável em seu labor. Empenha-se agora na “reinvenção” da natureza e na criação das técnicas que poderiam ensejar a proteção do ecúmeno.
Aí estão as inovações da inteligência artificial, da biotecnologia, das alterações nas estruturas atômicas dos materiais, da impressão 3D, das novas energias limpas. Como disse Alfred Whitehead: “O homem inventou o método de inventar”. Resta aos homens (no plural) a incumbência de reinventar a vida social para fruir as liberdades e benesses oferecidas pelas proezas de Prometeu.
No seu livro “Envolvimento e Alienação”, Norberto Elias lançou uma pergunta que muitos preferem não responder: “Porque as sociedades humanas resistem mais do que a natureza não humana a uma bem sucedida exploração (de suas potencialidades) pelos seres humanos?”