Thaylon Toledo Nogueira, da Fico, fala da importância da análise preditiva, mais ainda neste momento

Com o surto do coronavírus e a recomendação para que os consumidores não saiam de casa, novos hábitos de consumo surgiram. Se antes da crise as compras online já apresentavam expressivo crescimento anual, a demanda do e-commerce registrou um aumento sem precedentes.  Para dar suporte a esse enorme fluxo de pedidos e atender os clientes de forma efetiva, as empresas precisaram rever processos de logística e toda sua Supply Chain.

É sobre este assunto e outros que Thaylon Toledo Nogueira, consultor líder de pré-venda em Otimização para América Latina da Fico, líder mundial em análise preditiva, com expertise nessa área e que já realizou diversos projetos de otimização de recursos em diferentes indústrias, fala nesta entrevista especial para a Logweb. A empresa desenvolve modelos matemáticos que aplicam tecnologias como IA e machine learning e que colaboram de forma efetiva em toda cadeia de suprimentos do cliente, otimizando processos, facilitando a tomada de decisão e contribuindo para ampliar a margem de lucro.

 

Qual a função da análise preditiva especificamente no atual momento?

A análise preditiva tem um papel muito relevante nesse momento, pois ajuda as empresas e governos a melhor avaliar quais decisões devem ser tomadas hoje e que irão atenuar um impacto previsto ou aprimorar a resposta para um determinado evento. Complementarmente, a análise prescritiva tem um papel possivelmente mais relevante ainda, pois em um cenário tão disruptivo, com restrições pesadas e escassez de recursos, a resposta que ela provê ajuda muito a embasar e até mesmo automatizar a tomada de decisão.

 

Quais os benefícios que ela traz?

Manter uma operação rodando sem grandes percalços requer um planejamento cuidadoso e a habilidade de responder agilmente e assertivamente a mudanças repentinas. Associar o processo de tomada de decisão à utilização de ferramentas que empregam esse tipo de inteligência torna não só possível, como muitas vezes acaba potencializando os resultados desejados. Com isso, não somente se pode garantir processos mais consistentes e sustentáveis, como também sua maior transparência, ajudando todo um time, uma área e empresa a entender os impactos e o alcance de cada decisão. Indissociavelmente, estamos também falando de aumentar a qualidade da entrega e a satisfação do cliente, seja ele o consumidor final do produto que aquela empresa oferece, distribui ou transporta, bem como pensando num nível organizacional, como diferentes áreas dentro de uma mesma empresa podem interagir em diferentes etapas do processo produtivo.

 

E as funções da IA e a machine learning também neste momento em particular, quais são?

Machine learning e Otimização são técnicas que nos proveem maneiras de modelarmos as regras de negócio de um determinado problema, de um processo, e extrair uma resposta que muito provavelmente tem uma qualidade muito superior à que obteríamos se tentássemos realizar o mesmo exercício com outros tipos de ferramentas. Dessa forma, a aplicação de qualquer recurso no campo da IA tem uma função indispensável de servir como suporte no processo de tomada de decisão, bem como auxiliar e comandar o gerenciamento desse processo como um todo. Mais ainda, ela deve ser encarada como um braço adicional na capacidade humana, no sentido de que provê novas visões e executa tarefas pré-determinadas, mas ainda que o poder decisório é de responsabilidade das pessoas.

 

Quais os benefícios que elas trazem?

Uma vez que você tenha mapeado o seu problema através de um modelo, fica muito mais prática a simulação de novos cenários e a obtenção de respostas para testes de hipóteses, o que permite a planejadores analisar diversos aspectos antes de tomar uma decisão final, e a um operador decidir rapidamente como executar uma ação mais assertiva. Isso sem dúvida traz um diferencial competitivo muito importante para a empresa. Adicionalmente, pode-se pensar em automatização de processos gerando uma economia de tempo enorme na sua execução e possibilitando à companhia empregar seus funcionários de maneira mais inteligente e de uma maneira que possa agregar mais à visão de seu negócio. Não é incomum após a implantação de projetos como esses que usuários que tinham um papel exclusivamente operacional, ou com o perfil de apagar incêndio, se transformem em analistas que passem a atuar num nível mais estratégico, explorando as opções que a ferramenta traz para extrair ainda mais valor para o negócio.

 

 Muito se fala do crescimento do e-commerce, no Brasil e no mundo. Com o coronavírus, houve um aumento significativo nas compras pela internet. Como você analisa isto?

Esse é um movimento que já está sendo observado pelo mundo, e no Brasil não é diferente. Nesse contexto, empresas que já nasceram com um viés digital se beneficiaram bastante: é o caso da Uber, iFood, Rappi, 99. Com um processo de captação de mão de obra quase inteiramente online, a capacidade de absorção foi muito potencializada. Na outra ponta, conseguiram rapidamente adaptar suas plataformas, adicionando opções de serviço condizentes com a atual preocupação sanitária. Inclusive, os segmentos de delivery foram ainda mais favorecidos, pois essa crise acelerou a adoção dessas plataformas, e muito provavelmente a retenção desses novos usuários será significativa mesmo depois que passarmos essa fase. De uma maneira geral, essa situação que a Covid-19 está impondo irá alavancar o processo de transformação digital das empresas. Primeiro que quem não conseguir fazer isso, irá sair do mercado. Entretanto, uma vez no mundo digital, a quantidade de dados coletados é muito maior e eles são fundamentais para que a empresa entenda como alavancar suas vendas, agregar ainda mais valor aos seus produtos e aumentar a experiência do usuário com a sua marca. Esse caminho para o digital também deve necessariamente acontecer na distribuição, seja ela própria ou terceirizada.  As empresas que atuam na logística da entrega precisam ter acesso rápido e seguro às informações dos produtos que devem carregar nos seus veículos e dos clientes a serem atendidos, enquanto garantem a disponibilidade da sua frota e os tipos de veículos contratados. Isso é fundamental para que se faça uma boa programação de como deve ser feita a entrega e garantir uma utilização eficiente dos recursos disponíveis. Um passo adiante é ter toda a infraestrutura necessária para fazer o monitoramento dessa frota, pois isso permite utilizar essas informações para tomar ações de replanejamento quando situações que acontecem no dia a dia acabam impactando muito a realidade da operação.

 

Ainda no caso do e-commerce, como é a aplicação da IA e da machine learning? Cite os processos e os benefícios alcançados.

Ter um bom gerenciamento é essencial para um varejista hoje em dia conseguir aumentar suas margens sem alterar preço. Associar a isso um processo de Otimização fazendo o elo entre lojas e Centros de Distribuição pode alavancar ainda mais a redução de custos operacionais, seja através do aumento do seu percentual de carga útil, seja através da alocação mais inteligente da sua frota ou, em caso de terceirizadas, da contratação mais eficiente das mesmas. Paralelo a esse processo, também existe outro, de descoberta de novas estratégias, onde tais ferramentas podem prover ideias ou sugestões de novas políticas de estoque a serem aplicadas, ou indicar quais as que hoje causam maior impacto financeiro/operacional. Outra aplicação bastante conhecida é na sugestão de produtos. Com base no histórico de acesso e compras do cliente é possível associá-lo a um determinado perfil e, dentro desse perfil, analisar qual a probabilidade de compra de outros produtos que ele sequer estava procurando. Também é possível fazer uma sugestão de produtos mais assertiva quando ele estiver online na plataforma e definir estratégias personalizadas de precificação que tornem mais atrativa a conclusão de uma compra naquele momento. É o que algumas empresas fazem quando, por exemplo, percebem que têm uma formação de carga quase completa para uma determinada região e podem – através de ofertas específicas para clientes daquela região que irão consumir um produto que sairá daquela mesma loja ou Centro de Distribuição – oferecer um desconto no produto que nada mais é do que um reflexo do seu custo de frete mais baixo. Já na parte de logística, pode-se atacar o planejamento da entrega. De posse de informações, como pedidos a serem entregues, localização dos clientes, frota disponível e restrições de acesso e horários de atendimento, pode-se elaborar todo um plano de entrega utilizando Otimização para se obter uma resposta precisa de qual a melhor maneira de se compor as cargas e quais clientes a serem atendidos por quais veículos. Em situações como essa, a aplicação desse tipo de ferramenta pode trazer reduções expressivas na conta do frete, da ordem de 5% a 18%. Não obstante, o business case de projetos dessa natureza costuma ser alcançado com sucesso antes mesmo do que foi inicialmente previsto e o ROI vem com a mesma rapidez.

 

Quais outros tipos de empresas podem se beneficiar do uso da IA e da machine learning neste momento?

Certamente, a indústria de maneira geral é um setor que vem sendo bastante castigado e que poderia se beneficiar. Em se tratando de Brasil, possuímos uma realidade fiscal e tributária bastante complexa. Ao mesmo tempo em que isso impõe duras realidades operacionais e burocráticas, do ponto de vista de redução de custos apresenta diversas oportunidades. É provável que no curto prazo diversas empresas obtenham, junto a entes municipais e estaduais, diversos benefícios tributários, como forma de voltar a estimular a produção, contenção de demissões e socorro financeiro. Então, em um exemplo que a empresa decidiu produzir mais em uma planta que atende o Nordeste inteiro, qual a melhor forma de se garantir o escoamento dessa produção? Pensando em um produtor de açúcar ou etanol, com usinas espalhadas em mais de um Estado, mas ambos os estados proporcionando incentivos distintos, qual a melhor maneira de distribuir a produção? Minha operação atual comportaria essa mudança de realidade? Se sim, qual a maneira mais apropriada de fazê-la? Se não, quais são os tipos de investimento a serem feitos e onde seriam os meus gargalos?

 

Quais os fatores a serem considerados na revisão do processo logístico e da Supply Chain?

Antes mesmo de falar de ferramentas ou tecnologia, sempre procuro perguntar como são tratados os casos de uma mudança da realidade operacional dentro de um planejamento que foi feito. Isso porque, dependendo do tipo de segmento de mercado ou área de atuação, estamos falando de um processo que demora horas ou dias para ficar pronto, e diante de alguma perturbação séria, simplesmente não existe tempo hábil para rodá-lo novamente. Então essa é uma provocação sempre pertinente porque indo nesse sentido, descobre-se diversos pontos de melhoria. Outro ponto é não se fechar para a inovação. Por mais que a empresa já tenha um processo estabelecido, é importante observar como a concorrência tem atuado na solução daquele mesmo tipo de problema e o que o mercado está trazendo de novo nesse sentido. Investir em tecnologia deve ser sempre encarado como uma forma de se manter competitivo.

 

Quais os objetivos desta revisão?

A busca por eficiência operacional. Esse é um conceito amplo e que pode ser atingido de diversas maneiras, seja através da melhor utilização da sua capacidade de distribuição, de produção e de planejamento, seja através da identificação dos pontos de gargalos operacionais e avaliação das maneiras de superá-los, seja através da capacidade que a empresa tem de flexibilizar sua operação ou o quão rápido ela consegue responder a disrupções que acontecem no curto prazo. Sempre há espaço para melhora, e quanto mais eficiente e produtiva ela for, e quanto mais ela consegue reduzir seus custos, mais competitiva ela se torna.

 

O que implica o fato de não se rever processos logísticos e de Supply Chain no atual momento? O que pode acontecer?

Hoje o mercado é muito dinâmico e interligado. Por isso, crises como essas, mesmo antes de chegar ao Brasil, já refletiam significativamente nas operações de todas as empresas. Portanto, é essencial estar preparado para que seja possível realizar análises de diversos cenários de impacto, cada um atendendo a uma realidade operacional diferente, e saber qual a melhor estratégia a ser seguida em cada um deles e, principalmente, como executá-las. Não ter um processo flexível que permita esse replanejamento pode ser o fator determinante entre fechar as portas ou não, ou entre transformar uma oportunidade momentânea em um ganho real de market share. Indústrias de manufatura, por exemplo, precisam ter essa habilidade desenvolvida, uma vez que tivemos sucessivas mudanças nas jornadas de trabalho e restrições de circulação, afetando o suprimento de matérias primas e produtos semiacabados.

 

Em sua opinião, quais são os efeitos do Covid-19 na Supply Chain como um todo, tanto no Brasil quando no restante do mundo?

A Covid-19, por ter começado na China, escancarou logo de início os problemas de uma tendência que se observava nos últimos anos: o papel central de fabricantes chineses no fornecimento de materiais e produtos para o restante do mundo. A disrupção causada foi particularmente mais grave na indústria eletrônica e de automóveis, mas afetou diversas outras em diferentes níveis, como observamos na questão das máscaras e vestimentas cirúrgicas. E tem o outro sentido da cadeia também, pois com a diminuição da demanda de um dos principais consumidores do mundo, ou dificuldade de exportação para ele, vários mercados foram afetados, como a indústria de metais, a farmacêutica e o próprio agronegócio também. Inclusive, endereçar essa crítica dependência é um dos pilares do programa do governo chinês Made in China 2025.

 

Qual o futuro da Supply Chain em função do Covid-19?

A tendência é que vejamos uma redução na escala e diversificação da fabricação de produtos acabados. Já é observado em algumas empresas um processo de focar a produção de um mesmo produto inteiramente em diferentes mercados, com fornecedores preferencialmente locais, e então exportar o produto acabado. Dessa maneira, elas maximizam a eficiência operacional, ao mesmo tempo em que tentam se expor menos a questões como variação cambial, restrições comerciais, atrasos no fornecimento de matérias primas ou peças. Paralela a essa regionalização, a aceleração da transformação digital das empresas provavelmente vai ditar novas regras, onde empresas que não invistam em tecnologia e ferramentas que a auxiliem a extrair o máximo de inteligência dos dados que possui perderão muito em competitividade.

 

Pode-se dizer que a Supply Chain nunca mais será a mesma depois do Covid-19?

A atuação protecionista recente dos EUA, sobretudo na guerra comercial com a China, já estava provocando um questionamento na maneira como mercados internos estavam dependentes de fatores externos e os riscos que isso trazia para a operação das empresas e abastecimento desses mercados em geral. Nesse sentido, a Covid-19 veio para expor ainda mais essas fraquezas e acelerar o processo de mudança.

 

Cite resumidamente as atividades da Fico.

A Fico é uma empresa americana especialista na utilização de advanced analytics no processo de tomada de decisão. A Fico hoje protege cerca de 2/3 de todos os cartões do mundo contra fraude, está presente em 100% dos maiores bancos dos EUA, possui uma das mais bem sucedidas aplicações comerciais de Redes Neurais do mundo e é proprietária de um dos principais Solvers do mercado, o Xpress. Com um portfólio extenso de produtos, tanto on-premises quanto cloud, a Fico tem clientes espalhados em mais de 100 países e já entregou mais de 200 soluções de Otimização, desde elaborar a planta de um parque eólico, realizar todo o processo de S&OP de diversas indústrias até garantir que milhões de carros para aluguel e aviões estejam no lugar certo na hora certa.