Temperatura correta e grandes volumes são os maiores desafios da logística das vacinas

Exigência de temperatura diferente da praticada atualmente e vacinação em massa mundial exigem alta capacidade dos Operadores Logísticos, integração entre todos os elos, agilidade e tecnologia adequada.
Com as vacinas contra a Covid-19 sendo desenvolvidas, o próximo desafio são as questões logísticas e de transportes, afinal, serão mais de dez bilhões de doses distribuídas em todo o mundo.
Atualmente, mais de 250 vacinas estão sendo desenvolvidas e testadas em sete plataformas tecnológicas. Como elas pularam fases de desenvolvimento, requisitos mais rígidos de temperatura (até -80°C) poderão ser impostos, a fim de garantir que a eficácia seja mantida durante o transporte e o armazenamento. Normalmente, a cadeia atual de suprimentos hospitalares distribui vacinas entre 2°C e 8°C.
Segundo estudo desenvolvido pela DHL, em parceria com a McKinsey & Company, para fornecer cobertura global de vacinas contra a Covid-19 serão necessários, nas várias configurações da cadeia de suprimentos, até 200 mil embarques de paletes e até 15 milhões de entregas em caixas de refrigeração, bem como 15 mil voos, aproximadamente.

Desafios
Parar as infecções e salvar vidas. Esse é o objetivo maior nesse momento de crise mundial. A responsabilidade da cadeia de suprimentos nesse processo é tão grande quanto a das indústrias que fabricam o medicamento, segundo Ricardo Agostinho Canteras, diretor comercial da TEMP LOG.
A cadeia de suprimentos é corresponsável para que todo o processo ocorra, desde a pesquisa clínica até a aplicação da vacina na população. Ricardo explica que, muitas vezes, as vacinas são produzidas com materiais biológicos, termolábeis (muito sensíveis à temperatura). Isso quer dizer que são fabricadas dentro de condições específicas de temperatura e umidade e, depois, os demais elos da cadeia precisam cumprir todos os requisitos que são estabelecidos pelo detentor do registro do produto.
Um medicamento ou vacina deste porte tem uma série de pesquisas envolvidas, muitas vezes alinhadas com o estudo de estabilidade do produto, que demonstra quanto tempo ele pode ficar em certa condição de temperatura e umidade sem ter qualquer prejuízo em sua eficácia. “Se os elos da cadeia não atuarem de acordo com todas as regras e exigências das fábricas, há o risco de o produto não ter o efeito desejado no paciente”, expõe o diretor comercial da TEMP LOG.
De fato, segundo a farmacêutica Leila Almeida, gerente de negócios da Andreani Logística e coordenadora do Comitê de Logística Farmacêutica da Abralog – Associação Brasileira de Logística, o grande desafio é manter a estabilidade da vacina desde o ponto de fabricação até o destinatário final, passando por diversas transportadoras, aeroportos, bases de cross docking, Operadores Logísticos, distribuidoras, postos de saúde, farmácias e hospitais.
Toda a logística na distribuição das vacinas precisa de dois componentes, de acordo com Gylson Ribeiro, diretor da Especialidade de Transportes de Produtos Farmacêuticos do Setcesp – Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região. “O primeiro é o de manter a integridade do produto, que exige controle rígido de temperatura. E o segundo é rapidez na logística na distribuição, pois a cada minuto que anteciparmos a disponibilidade da vacina, possibilitamos salvar inúmeras vidas”, resume.

Implicações
Ao se falar em logística e distribuição da vacina, devem-se considerar alguns fatores. Inicialmente, as distâncias entre os locais onde as vacinas são produzidas e a população que irá utilizá-las, para poder identificar a melhor forma de conectá-las, como destaca Leila, da Abralog.
Outro aspecto é o uso de novas tecnologias de produção de vacinas, o que exige a manutenção desses produtos em temperaturas muito abaixo das usuais para armazenagem e transporte das vacinas atuais, que é de 2°C a 8°C. “A vacina produzida pela Moderna deve ser mantida em temperatura congelada, de -20°C. Mesmo que seja fora do habitual, ainda é uma temperatura mais fácil de alcançar, visto que já existem armazéns de Operadores Logísticos contemplando esta temperatura”, comenta a farmacêutica.
A complexidade é encontrada na logística que a vacina produzida pela Pfizer em parceria com a BioNTech irá requerer, pois exige armazenagem e transporte em temperatura ultrafria, de -70°C a -80°C. “Hoje não há estrutura de armazenagem capaz de manter esta temperatura. E, ainda, as transportadoras teriam de se adequar em pouco tempo. Realmente um desafio”, afirma Leila.
Neste ponto também toca Marcos Cerqueira, vice-presidente de Life Sciences and Healthcare da DHL Supply Chain. “As vacinas em desenvolvimento no mundo têm diferentes fabricantes, localizados em vários países e com requerimentos logísticos distintos. Escolhida a vacina, é fundamental fazer um plano de armazenagem e distribuição em escala global que leve em consideração a urgência do momento”, expõe.
Esse plano, explica Marcos, precisa abranger as regiões de entrega, as características de cada país, os planos de contingência, as práticas de acondicionamento, a conservação e o acompanhamento das condições do ambiente, a visibilidade total da cadeia, a infraestrutura física e os sistemas de TI necessários. E, por fim, mas ainda muito importante, os recursos humanos e organizacionais principais. “Nesse sentido, uma parceria estreita entre os entes públicos e privados envolvidos será crucial para o sucesso desta missão.”
Já Ricardo, da TEMP LOG, toca na questão do alto volume. “As vacinas normalmente são aplicadas de acordo com um calendário anual, de forma sazonal. Quando você tem um vírus com alto grau de transmissibilidade, que exige a administração de vacina em muitas pessoas, automaticamente, isso afeta a logística de distribuição”, observa.
Cesar Meireles, diretor-presidente e CEO da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, lembra o desafio de a distribuição ser feita também em rincões mais distantes, como no interior do Amazonas. “As vacinas precisam chegar a esses pontos com a mesma integridade da origem, da produção, e nas mesmas condições que chegam aos centros urbanos próximos. O desafio é grande, mas os Operadores Logísticos já o fazem”, garante.

Exigências
O que vai ser exigido dos Operadores Logísticos e das transportadoras envolvidas neste processo? Primeiramente, experiência e conhecimento em logística para cadeia fria e vacinas, especificamente. Trata-se de um produto muito delicado, de alto valor, que impacta vidas. “Não há espaço para erros, ainda mais agora”, salienta Marcos, da DHL Supply Chain.
Segundo ele, é preciso ter estruturas robustas de refrigeração e armazenagem especializadas, tanto para estoque quanto no transporte. “Por fim, de nada adianta tudo isso sem uma equipe especializada e treinada que siga os protocolos de qualidade e as normas regulatórias à risca, mesmo em uma situação de tanta pressão”, completa o profissional.
Muito provavelmente, as empresas envolvidas nesse processo são operadoras que já atuam nesse segmento. Afinal, não é uma adaptação simples de infraestrutura. Serão empresas com certificação da ANVISA para armazenamento, fracionamento e transporte desse tipo de produto, além de uma série de adequações que envolvem câmaras frias, freezers, geradores e máquinas de fracionamento que também preservam a temperatura. É o que expõe Ricardo, da TEMP LOG.
No transporte, ele explica que existem duas maneiras de controlar a temperatura: ativamente e passivamente. O controle ativo é aquele em que o veículo tem um equipamento que faz a refrigeração. Já o controle passivo envolve embalagens formadas por elementos que bloqueiam a troca térmica e elementos refrigerantes, como bolsas de gel. “Normalmente para entregas maiores, como em hospitais, se usa o controle ativo e, para transporte para regiões mais remotas usa-se o passivo. “Acredito que, com esse volume grande de vacinas para distribuir, as transportadoras vão trabalhar cada uma com a sua expertise e que as duas formas de controle de temperatura no transporte serão utilizadas”, aponta o diretor comercial da TEMP LOG.
Ricardo não crê que uma única empresa seja capaz de deter toda a movimentação. Provavelmente, haverá regionalização da distribuição, mas independentemente de as empresas já atuarem com esse tipo de atividade, com o volume que está sendo esperado, será preciso ampliar a infraestrutura como um todo: desde pessoas a máquinas, embalagens e equipamentos.
As exigências aos Operadores Logísticos e aos transportadores envolvidos começam no planejamento da coleta no fabricante e no armazenamento das vacinas nas condições de temperatura exigidas. “A necessidade de armazenamento em estado ultracongelado levará a uma adequação dos equipamentos atualmente disponíveis, pois o volume a ser armazenado será bem maior do que se armazena hoje nestas condições”, diz Gylson, do Setcesp.
No caso do transporte, o trabalho deverá ser realizado com muita rapidez na operação, mesclando os modais rodoviário e aéreo. “Vale lembrar que como o nosso país tem dimensões continentais, as grandes distâncias precisarão ser transpostas pelo aéreo, e a última milha pelo rodoviário”, expõe.
Gylson salienta que a malha aérea, em função da pandemia, sofreu uma enorme redução e demandará um novo planejamento logístico para os pontos em que o aéreo deixou de atender. Só assim a vacina chegará com velocidade ao destino.
Para as vacinas de temperatura usual, como de 2°C a 8°C, ou até a -20°C, os Operadores Logísticos vão demandar infraestrutura de cadeia de frio adequada com câmaras frias e de congelamento qualificadas e plano de contingência eficiente para possíveis falhas de equipamento e de fornecimento de energia, relata Leila, da Abralog.
Monitoramento da temperatura com sistema supervisório e alarmes também fazem parte desta estrutura robusta para evitar rupturas na manutenção da temperatura das vacinas, na opinião da entrevistada. “Além disso, deverá dispor de soluções para o transporte ativo e passivo que garanta a temperatura da vacina até o destino final, considerando os lead times e as dificuldades de entrega.”
Já com relação às vacinas que exigem temperatura de -70°C, o desafio é muito maior. No mercado existem ultrafreezers, que são equipamentos que comportam a armazenagem de no máximo 800 litros e que mantêm temperaturas de -25°C, -40°C e -86°C. Eles são utilizados para armazenagem de plasma, hemoderivados, reagentes e outros produtos. “Mas não vacinas de uso humano, que requerem uma estrutura muito maior para garantir a armazenagem de milhões de doses das vacinas”, conta Leila.
As transportadoras necessitam ter em suas frotas veículos com baú refrigerado igualmente qualificado e sistema de monitoramento de temperatura em tempo real com geoposicionamento para melhor supervisão durante o transporte. Plano de manutenção preventiva e plano de contingência, por sua vez, garantem que o veículo não perderá a temperatura durante o trajeto. “Para a distribuição das vacinas em -70°C será preciso desenvolver soluções passivas, como embalagens especiais contendo gelo seco para a manutenção da temperatura ultracongelada”, acrescenta a farmacêutica.

Integração
Seis elos principais compõem essa cadeia da vacina, segundo Marcos, da DHL Supply Chain: primeiramente, os fabricantes. Depois os fornecedores de insumos médicos. Na sequência, os fornecedores logísticos (Operadores, transportadoras, armazéns, etc.), junto com os órgãos reguladores, as entidades de saúde e os aplicadores finais da vacina. “Uma coordenação estreita entre estes entes e um plano sólido e flexível são os fatores principais para o sucesso da empreitada”, aposta.
Cesar, da ABOL, observa que se as vacinas vierem pelo aéreo, o que certamente ocorrerá, há de se considerar os aeroportos, as companhias aéreas e aqueles que estarão, por exemplo, envolvidos no desembaraço aduaneiro. “A vantagem do Operador Logístico é que ele está envolvido e engajado em todos esses processos, com recursos próprios ou de terceiros.”
Ricardo, da TEMP LOG, acrescenta as empresas que realizam importações, pois acredita que não conseguiremos produzir no Brasil o volume para atender a demanda total, sendo necessária uma produção mista entre indústria interna e externa. “Estarão então envolvidas as empresas de comércio exterior, que fazem controle de importação aéreo e/ou marítimo, e empresas capacitadas para retirar a carga quando chega ao Brasil, com veículos capazes de manter esse produto em condições ideais. Essa logística envolve tanto as empresas privadas quanto as público-privadas. A Infraero, por exemplo, vai precisar de estrutura para manter o produto aclimatado a fim de poder aguardar o desembaraço”, ressalta.
Na ponta final, todo o sistema de saúde estará envolvido. Os postos do SUS sendo alimentados pelas secretarias estaduais, provavelmente com compras feitas pelo Ministério da Saúde e distribuídas para cada Estado, para que as empresas que já prestam serviço nesse segmento façam o trajeto do armazém para o hospital, do hospital para a UBS, com cada elo da cadeia respeitando a infraestrutura adequada para fracionamento e armazenamento até o momento da aplicação nos pacientes.
Gylson, do Setcesp, acrescenta à cadeia as gerenciadoras de risco, que atuam conjuntamente com o transporte nas viagens e entregas de produtos com alto valor agregado. “Estas empresas também deverão se planejar para que possam manter todo o acompanhamento e proteção aos produtos em trânsito sem comprometer a velocidade necessária que este tipo de operação exigirá, evitando ao máximo a violação e o roubo.”

Riscos
A manutenção de temperatura, sem dúvida, está entre os maiores desafios dessa cadeia. “O provável entrave é o tamanho do custo que tem de ser aplicado para manter uma vacina de cadeia fria de ponta a ponta. É uma logística cara”, observa Ricardo, TEMP LOG.
Falando em risco, Leila, da Abralog, lembra que o gelo seco, que já é utilizado dentro de caixas térmicas no transporte de outros produtos, como material biológico, é um produto perigoso e o volume utilizado nas embalagens pode sofrer restrições no embarque nas companhias aéreas. “Este ponto será um entrave grande diante do volume a ser transportado”, ressalta.
Cesar, da ABOL, destaca a questão do suprimento de energia. Seja ela a continuada das concessionárias para que não haja interrupção nos centros urbanos e nas regiões mais distantes, que alimentam os Centros de Distribuição dessas operações, seja a energia móvel nos veículos de transporte que farão a conexão com Centros de Distribuição mais remotos.
Já Marcos, da DHL Supply Chain, cita a diminuição da malha aérea, que pode ser superada com voos charter, por exemplo. “Talvez o grande tópico seja mesmo garantir a integridade das doses, especialmente daquelas vacinas que demandam temperaturas muito baixas. Por fim, gerir com eficiência e agilidade todo esse plano não será nada fácil, por isso a necessidade de cooperação estreita entre os entes públicos e privados”, reforça.
Por sua vez, Gylson do Setcesp, acredita que o aporte de recursos para investimentos em equipamentos, instalações, treinamentos de pessoal seria o principal entrave. Quanto aos riscos, também destaca a atual malha aérea, muito reduzida, disponibilidade de mão de obra treinada para lidar com vacinas que exigem controle de temperatura e também um sistema de monitoramento e controle para garantir que seja mantida a integridade das vacinas.
Distribuição mundial
Com relação à distribuição mundial, os riscos que Ricardo, da TEMP LOG, tem ouvido das empresas são referentes à falta de insumos nesse momento. A vacina requer ampolas, rótulos, caixa, uma série de produtos.
Tirando os desafios de temperatura, o maior risco é a falta de insumo de produção. “Temos visto clientes com dificuldades para conseguir os insumos porque as fábricas mundiais estão com um volume de consumo muito elevado, principalmente de papelão. Quando se tem uma demanda muito grande, outros componentes acabam influenciando até mais do que o próprio medicamento ou vacina”, salienta.
Sobre essa questão, Gylson, do Setcesp, comenta que o desafio é grande, pois o volume estimado de entregas é imenso. Um documento apresentado pela IATA – Associação Internacional de Transportes Aéreos aponta que hoje o planeta é habitado por uma população de quase 7,8 bilhões de pessoas. Se considerarmos somente uma dose por pessoa, esta quantidade ocuparia 8.000 aviões de carga do modelo 747 da Cia. Boeing. Considerando todos ao aviões deste modelo produzidos desde a década de 70 até hoje, não passa de 1.600 unidades. “Com base nestes dados, concluímos que pode ser este um grande risco nesta distribuição.”

E os correlatos?
No tocante aos correlatos indispensáveis para ministrar a vacina, como as seringas, a distribuição é mais simples, segundo Gylson, do Setcesp, pois não precisam de controle de temperatura. “O ideal seria o desenvolvimento de uma logística na cadeia de suprimento na qual um kit com tudo o que será necessário para ministrar essa vacina caminhasse junto, atingindo os pontos destinatários simultaneamente.”
Sobre esses insumos, o que pesa mais, para Marcos, da DHL Supply Chain, é mesmo o planejamento de estimar os volumes demandados e fazer os pedidos com antecedência. “Desde já, se possível.”

Áreas de difícil acesso
Em se tratando do desafio de chegar a áreas de difícil acesso, Cesar, da ABOL, lembra que as campanhas de vacinação regulares no Brasil já são feitas também nas mais remotas regiões e áreas rurais do país. “O Operador Logístico já é contratado pelo Ministério da Saúde, secretarias, laboratórios e indústria farmacêutica em geral para esse atendimento. Tudo isso é tratado de forma que o OL cumpra com rigor todos os requisitos, parâmetros e normas que são demandadas por toda a indústria e órgãos oficiais”, destaca.
Além disso, se necessário, Marcos, da DHL Supply Chain, diz que é possível contar com abordagens inovadoras, como o uso de drones para entregas fora dos grandes centros, como a empresa já faz na Alemanha, por exemplo.
Ricardo, da TEMP LOG, acredita que o uso de drones será uma solução excelente para áreas rurais e entregas entre hospitais e que isso vai ser realidade no Brasil, um dia. “Mas agora, no presente, imagino que esse produto será entregue por empresas menores, com controle passivo. Quanto mais distante da cidade, mais se usam embalagens passivas e transportadoras menores, regionalizadas. A ideia é que as vacinas cheguem o mais perto possível da área rural, por meio da estrutura que já existe hoje para distribuição de medicamentos do SUS.”

A questão da importação
Para tentar simplificar a logística da Coronavac no Brasil, no acordo feito entre o Governo de São Paulo e a farmacêutica Sinovac há uma cláusula de transferência tecnológica para o Instituto Butantã, o que dá direito à entidade de fabricar doses da Coronavac, facilitando o processo logístico no país.
Segundo Ricardo, da TEMP LOG, quando um medicamento ou vacina é fabricado em outro país, os riscos são maiores, afinal, desde o momento em que ele sai da fábrica, passa pelo trajeto de caminhão até o porto, entra no navio, ele está exposto ao risco de perder a eficácia por falha em algum elo da cadeia.
Ele explica que quanto mais próxima do ponto de entrega a fábrica estiver, menos possibilidade de ter um investimento alto de importação que pode ter um problema no trajeto. Há diminuição no risco ao cortar um elo da cadeia, o da importação, que é bem complexo e geralmente demanda dias no modal marítimo e horas no aéreo, além de o direito de propriedade passar por muitas empresas, aumentando as chances de uma excursão de temperatura. “E, ainda, acredito que seja mais barato manter a produção interna, não tendo os custos vinculados à moeda estrangeira.”
Para Marcos, da DHL Supply Chain, a fabricação da vacina no país dispensa a parte internacional dos fretes, mas, ao se integrar aos armazéns principais, a logística dessa e de outras vacinas pode ocorrer de forma integrada, desde que respeitando as condições específicas de acondicionamento.
No entanto, segundo Gylson, do Setcesp, a logística de distribuição será a mesma. O que diferencia é o local de origem da operação. Enquanto a vacina importada chega através dos portos e aeroportos, a que o instituto Butantã irá produzir seria retirada em suas fábricas. “Um facilitador neste processo logístico seria a possibilidade de realizar um planejamento conjunto entre fabricante, Operador Logístico e transportador, englobando a adequação de um calendário, volumetria e locais de destino com melhor antecedência e precisão, pois o produto já está em nosso território.”
Para Cesar, da ABOL, independentemente de a vacina ser importada ou produzida no Brasil, o aparato logístico é o mesmo. Temos processos distintos do ponto de vista de detalhamento operacional, dado termos uma via de importação dos aeroportos, pelo ingresso via aérea com imediato desembaraço aduaneiro, para depois o produto ser levado aos Centros de Distribuição para os procedimentos regulares padrão.
“O que acontecerá, certamente, é que haverá um tratamento contingencial, de urgência, com atenção rigorosa para que haja celeridade nos processos, garantindo a eficiência das operações e a integridade de todas as vacinas”, ressalta.

Tecnologia
Falando de tecnologia, devem ser utilizados, principalmente, dataloggers, sensores de temperatura, para monitorar cada passo da vacina, seja na importação, no armazenamento ou até a aplicação no paciente em uma UBS, conforme expõe Ricardo, da TEMP LOG.
“São fundamentais sensores que armazenam o histórico de temperatura durante todo o trajeto e que alertam em caso de uma possível excursão, falha em equipamento, ou área que não esteja refrigerada da maneira adequada.”
De acordo com ele, a tecnologia mais importante é a que acompanha minuto a minuto a temperatura, buscando manter as condições que foram determinadas na fábrica durante as pesquisas e desenvolvimentos. “Com a rede IoT (internet das coisas), está cada vez mais fácil ter sensores interligados com dados que transmitem em tempo real as informações”, ressalta.
Para Marcos, da DHL Supply Chain, os sistemas tecnológicos de estoque e expedição também terão um papel central, vide a grande quantidade de vacinas que serão aplicadas.

Falta de insumos farmacêuticos irá comprometer programas de saúde
A experiência da pandemia trouxe à tona um cenário de dependência vivido pelo Brasil há décadas. A indústria farmacêutica brasileira, apesar de produzir mais de 70% dos medicamentos consumidos no país, depende de insumos farmacêuticos importados.
Atualmente, impressionantes 85% a 90% dos insumos ativos são importados de fornecedores diversos, notadamente chineses e indianos, que respondem pelo fornecimento de 74% dos laboratórios brasileiros. Em 2019, o déficit na balança comercial do segmento foi de US$ 2,3 bilhões.
“É necessário estabelecer uma política pública para diminuir brutalmente essa dependência de produtos absolutamente essenciais para a população brasileira. Com a possibilidade do ressurgimento de outras situações de risco na área da saúde, precisamos aprimorar a capacidade produtiva e tecnológica do setor”, afirma José Correia da Silva, presidente do Conselho da ABIQUIFI – Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmacêuticos.
Desde o início da pandemia da Covid-19, o mundo – com ênfase o Brasil – se viu na triste situação de total dependência de insumos farmacêuticos. Um apavorante colapso de produção e fornecimento da China e da Índia levou à perda de milhares de vidas pela pura e simples falta de insumos, equipamentos e materiais de uso médico.
Não se tratou de produtos e equipamentos novos de última geração. Mas de insumos farmacêuticos com mais de 70 anos de descoberta e uso, equipamentos pouco sofisticados e materiais triviais, como máscaras e aventais.
No Brasil, além dos produtos mais comuns, desde o início da pandemia registra-se a falta dos insumos farmacêuticos para intubação, tratamento de distúrbios do sistema nervoso central e, mais recentemente, de oncológicos biofarmacêuticos.
“De pouco adianta uma grande indústria farmacêutica sem acesso a insumos que possam gerar medicamentos. Por que um país que na década de 1980 produzia mais de 50% de suas necessidades de insumos farmacêuticos ativos tornou-se tão dependente da importação dos mesmos que já foram produzidos localmente?”, indaga Correia.
O parque fabril brasileiro, que produzia e exportava – com cerca de 50 instalações fabris –, vitaminas, hormônios, antibióticos, mesmo antes dos atuais fornecedores, foi dizimado pela busca desenfreada de margens e pela inércia de Governos que não entenderam a importância de manter produções estratégicas de insumos farmacêuticos, facilitando por diversos canais (tributário, financeiro e, principalmente, regulatório) a avalanche de importação que quase destruiu o parque fabril de nosso país.
“Após o desmonte geral da indústria brasileira nos anos 1990 e início deste século, tímidas, raras e, algumas vezes, equivocadas políticas de governo foram estabelecidas na tentativa de reduzir esta dependência. Todas, focalizadas na redução dos preços dos medicamentos, fracassaram no sentido de reduzir a dependência de insumos”, conta Correia.
Segundo ele, mudar essa realidade demanda um esforço conjunto, com participação do Governo e da iniciativa privada. “Isso exigirá uma regulação sanitária que traga isonomia regulatória e fomente o uso de Insumos Farmacêuticos Ativos fabricados no Brasil, a fim de fortalecer o setor e diminuir a dependência brasileira na pesquisa, desenvolvimento e fabricação de novos insumos.”