Logística no agronegócio: pressionada pela sazonalidade, precisar ser ágil e assertiva e empregar tecnologia

Afinal, tal logística é marcada pelo forte planejamento para as operações, considerando custo, frota, safra, entressafra, gestão de pessoas. Por outro lado, a sazonalidade exige um planejamento extra por conta do clima, e há ainda a questão das precárias condições das rodovias, principal meio para o escoamento da produção agrícola.

Do ponto de vista de distribuição, o agronegócio tem dois grandes desafios. O primeiro é lidar com o modal rodoviário brasileiro, principal via de acesso para o escoamento da produção. Estradas malconservadas, caminhos extensos e falta de visibilidade desafiam produtores, que precisam chegar aos portos em datas pré-determinadas e com a carga em condições inalteradas. As estradas de chão, em pista simples, ou com baixo nível de infraestrutura também dificultam o acesso de caminhões pesados e reduzem consideravelmente a velocidade e produtividade do veículo.

Ainda segundo Gilson Chequeto, CEO e co-fundador da Lincros, logtech que oferece softwares logísticos de gestão de transportes – apontado as características mais marcantes da logística no agronegócio – outro fator é que, durante a safra, o volume de mercadoria a ser distribuída aumenta consideravelmente. Essa distribuição sazonal exige que o produtor tenha maior acesso a distribuidores que possuam a estrutura necessária para garantir o frete dentro dos prazos necessários.

“Todos estes fatores implicam na dificuldade de contratação de transportadoras e ainda no alto custo do frete. Consequentemente, o custo é repassado à mercadoria. Entre maio de 2021 e maio de 2022, o valor médio cobrado para o transporte de produtos do agronegócio subiu 3,92%, segundo o índice Fretebras, que também apontou o serviço para o agronegócio como um dos mais caros do país.”

Chequeto lembra, ainda, que as perdas ocasionadas no transporte são muito altas. “Podemos inclusive afirmar que é o maior fator de prejuízos, tanto no acondicionamento do produto – principalmente quando são perecíveis – quanto na agilidade que precisa existir na entrega. No caso de grãos, por exemplo, existe uma perda média de 20% dos produtos por simples queda do caminhão em função da infraestrutura das estradas.”

Roteirizar e monitorar a entrega, e ter uma Torre de Controle na empresa são as principais ferramentas para conquistar a visão de acondicionamento ideal e promover agilidade, assegura o CEO da Lincros. Elas garantem um melhor planejamento e uma maior visibilidade da operação, desde a ordem de coleta e carregamento até a entrega no destino. Em casos de atraso de carga, promovem visibilidade para que as equipes operacionais possam avisar o cliente com antecedência e evitar problemas no momento da entrega. “Tudo isso, quando feito de forma automatizada, agiliza e faz com que o produto seja entregue/escoado mais rapidamente. A falta de acesso a transportes eficientes não gera apenas problemas pontuais de transporte, mas também um impedimento de escalabilidade e crescimento da cadeia produtiva das empresas”, completa.

Também falando sobre as características mais marcantes da logística no agronegócio, Rogério Júnior, gerente de Vendas da Asia Shipping, multinacional brasileira que atua na gestão de processos logísticos de mercadorias tanto na importação quanto na exportação, utilizando diversos modais, como aéreo, marítimo e rodoviário, aponta: constância no fornecimento dos produtos para atender a demanda do mercado, distância geográfica das fazendas e polos industriais e sazonalidade da produção agrícola.

“Qualquer operação logística é complexa, pois envolve muitas variáveis e muitos players em seu fluxo – no agronegócio isso não é diferente. Eu destacaria como características mais marcantes o forte planejamento para operação, falando em custo, frota, safra, entressafra, gestão de pessoas. No caso da cana-de-açúcar, a sazonalidade e os picos de moagem exigem um planejamento extra por conta do clima e a mudança do ATR – Açúcar Total Recuperado da cana com o passar dos meses (o ATR, índice responsável por avaliar a quantidade de açúcar presente na planta, é o principal fator de definição do retorno financeiro da colheita). Com isso, a adaptabilidade e capacidade de tomada de decisão assertiva se tornam características marcantes das transportadoras que conseguem seguir as rápidas mudanças de uma operação agro”, afirma, agora, Anderson Pardini, coordenador de Operações Agro da Lots Group Latin America, que oferece soluções em transporte para melhor analisar fluxos, localizar gargalos e melhorar desvios.

Exigências

Em um cenário que conta com uma grande defasagem de armazenamento, como o do agronegócio, o transporte ágil e eficiente se faz ainda mais necessário para não deixar as cargas paradas e evitar perdas, aponta Chequeto, da Lincros, falando sobre o que a logística do agronegócio exige dos transportadores e OLs em termos de instalações, de profissionais e de agilidade.

A previsão de safra recorde de grãos como milho e soja em 2023 aumenta ainda mais a necessidade de uma logística inteligente. De acordo com a estimativa de janeiro do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), a soja deve crescer 23,4% em relação a 2022, com produção de 147,5 milhões de toneladas. Quanto ao milho, a expectativa é de 11,2% de alta, com produção de 122,5 milhões de toneladas.

Além disso, no agronegócio, as transportadoras também precisam ser criteriosamente selecionadas, pois estes tipos de produtos exigem um alto grau de cuidado sanitário, atenção ao ciclo de vida e também um olhar para a segurança. A legislação brasileira é muito rígida para estes tipos de cargas, por isso, o cuidado com a qualidade do transporte é extremamente importante para empresas destes segmentos. Isso exige sistemas inteligentes de seleção de transportadoras capazes de realizar este filtro.

“Quando falamos sobre transporte terceirizado de grãos, as chamadas Cotações SPOT também são processos frequentes, já que em função da safra, o alto volume do transporte ocorre concentrado em épocas muito específicas do ano”, lembra o CEO da Lincros.

O monitoramento das cargas também é outra ferramenta importante em um cenário que possui produtos com um shelf life curto ou que precisam de refrigeração e controle de temperatura, como a produção frigorífica de carnes, produtos que possuem alto valor agregado e cujas perdas poderiam representar impactos significativos para as empresas.

Na visão de Rogério Júnior, da Asia Shipping, as exigências incluem instalações adequadas para armazenamento de produtos perecíveis, com profissionais capacitados para tal manuseio. E também agilidade em carga/descarga por conta dos altos custos de movimentações/armazenagem e falta de espaço físico capacitado.

Tecnologia no setor

Produtores ou empresas que lidam com a produção de alimentos, incluindo agrícolas, precisam manter padrões de qualidade altos. Para isso, é essencial contar com o apoio da tecnologia. De acordo com pesquisa de 2020 da Embrapa, SEBRAE e INPE sobre a digitalização no agronegócio, 84% dos agricultores e produtores da amostra utilizam ao menos um tipo de tecnologia digital em seu processo produtivo.

“Essa necessidade fica ainda mais evidente no caso dos transportes. A constante variação no preço dos combustíveis faz com que as empresas ampliem o uso de ferramentas tecnológicas para garantir um menor impacto no custo com transportes e potencializar sua distribuição. Além das chamadas tecnologias ‘dentro da porteira’, quando falamos da distribuição destes produtos, sistemas de roteirização automatizada e monitoramento de carga por meio de ferramentas de tracking ou de Torre de Controle auxiliam na redução de quilometragem rodada, paradas desnecessárias, jornada do motorista, maior rastreabilidade, gastos com pedágios, perda de produtos, entre outros, garantindo uma economia de tempo, recursos e valores”, diz Chequeto, da Lincros, falando sobre a tecnologia no setor e a adaptação da logística a esta tecnologia.

Rogério Júnior, da Asia Shipping, também destaca que a tecnologia na logística do agronegócio é usada para garantir redução de custos, maior eficiência e qualidade na entrega do produto. “Sistema de tracking, automação de processos e gerenciamento de controle de temperaturas mantêm a integridade dos produtos e reduzem perdas.”

Por seu lado, Pardini, da Lots Group, lembra que nos últimos anos, o agro foi um dos setores que mais se modernizou e investiu em tecnologia no Brasil, e as empresas que querem atender a este mercado devem seguir este avanço e também transformar a sua indústria.

“Hoje, no agro, tudo se conecta: veículos, máquinas, fábricas, balanças e a própria matéria prima é catalogada e rastreada para garantir a qualidade do produto final. As empresas que atendem a este setor não podem deixar de se modernizar e, principalmente, nós do setor transporte que somos um dos principais fluxos do agro. Além de garantir a eficiência da operação, as tecnologias também nos ajudam a entregar uma solução mais sustentável para o meio ambiente por meio de veículos mais sustentáveis e direção eficiente com o treinamento de motoristas. A tendência é que a modernização do campo não pare”, diz o coordenador de Operações Agro da Lots Group.  

Problemas mais comuns

Quando o assunto envolve os problemas mais comuns na logística no agronegócio, Rogério Júnior, da Asia Shipping, acredita que os maiores gargalos são: sazonalidade, infraestrutura de estrada/rodovia/ferrovia e capacidade de armazéns adequados nas áreas agrícolas. A sazonalidade faz com que os custos logísticos aumentem por oferta e demanda. Falta de estrada/rodovia/ferrovia faz com que exista lentidão no escoamento dos produtos.

“Com os dois pontos mencionados acima, caímos para a armazenagem dos produtos, para os quais muitas das vezes faltam espaços adequados e capacitados. Para evitar e/ou minimizar é preciso fazer um trabalho em conjunto de toda a cadeia de suprimento x produto, levando em consideração a sazonalidade. Também é preciso investir em infraestrutura e implementar tecnologia conjunta Operador Logístico x produto”, completa o gerente de Vendas da Asia Shipping.

De fato, o transporte rodoviário é responsável por movimentar mais de 60% das mercadorias no Brasil. Segundo a Confederação Nacional do Transporte – CNI, a precária infraestrutura das rodovias eleva o custo operacional do transporte em torno de 30%. Soma-se a isso o fato de que boa parte da produção de grãos/aves/suínos brasileira vai para exportação. Nesse trajeto até os portos, o transporte acaba ocorrendo pelas principais rotas rodoviárias, que naturalmente, por serem as mais utilizadas, sofrem um maior desgaste.

Os corredores produtivos destes tipos de mercadoria estão em estados como GO e MT, além do interior de SC, PR e SP. São também trajetos de longa distância do destino original até as principais cidades de consumo e portos – a maioria das capitais e maiores centros urbanos do País está no litoral ou próxima dele, fazendo com que origem e destino sejam muito longe um do outro.

Para se ter uma ideia, mais de 27% da população mora no litoral, enquanto os maiores produtores estão no Centro-Oeste. Além disso, parte significativa da produção agrícola do País é exportada, então, ela percorre uma distância muito maior que outros segmentos.

“Com tudo isso, o transporte e o armazenamento acabam se tornando os principais motivos de perdas no agronegócio. Ferramentas que auxiliem nesses processos e ajudem a torná-los mais eficientes são as melhores soluções para os problemas de distribuição do segmento”, completa Chequeto, da Lincros.

Pardini, da Lots Group, prefere não se referir a problemas na logística no agronegócio, mas, sim, a pontos de atenção.

“Temos que estar atentos a diversos detalhes para garantir uma operação logística eficiente e que atenda às necessidades do cliente. Em minha opinião, os principais pontos de atenção são: segurança – essa deve estar sempre em primeiro lugar e sempre reforçada. O treinamento e desenvolvimento dos colaboradores, resultando em uma entrega de qualidade. A possível perda de eficiência por desvios ocultos, como tempos elevados de carga e descarga e dificuldades na rota, impactando diretamente na velocidade média. E uma boa gestão da manutenção que garante a disponibilidade de 100% dos veículos da frota.” E como evitamos que esses pontos de atenção se tornem problemas? – prossegue Pardini.

“Com um forte modelo de gestão e plano de tratamento de desvios bem estruturado, programa de treinamento de colaboradores, forte cultura de segurança, bom planejamento de manutenção, bom tratamento e leitura dos dados coletados, acompanhamento em tempo real dos KPIs e um bom relacionamento do time com as lideranças presentes na ponte e suportando o time de campo.”

Modais

Finalizando, fica uma análise do papel de cada um dos modais neste segmento em particular. Rogério Júnior, da Asia Shipping, começa:

Rodoviário: um dos modais mais importantes, pois é responsável por auxiliar no escoamento de grande parte das commodities;

Ferroviário: também responsável por auxiliar o escoamento de commodities, ótimo custo para longas distancias, porém por falta de infraestrutura é um serviço bem moroso. “Um dos benefícios desse modal é a descarga do vagão direto no terminal de embarque”;

Aéreo: modal muito utilizado para cargas com prazos justos e alto valor agregado.

Marítimo: “para o agronegócio, enxergo como o principal modal para as exportações de commodities. Temos uma extensa costa marítima com muitos portos que nos permitem conectar com diversos países”.

“A maior parte das produções agrícolas fica localizada no interior dos estados. Por outro lado, os portos, grandes responsáveis pelo escoamento agrícola do País, ficam no litoral. Assim, são necessários grandes deslocamentos para transportar as cargas produzidas para a exportação. As rodovias, apesar de em sua maioria não possuírem uma grande infraestrutura, ainda são o principal modal responsável por este transporte.”

Ainda em sua análise, Chequeto, da Lincros, lembra que faltam malhas ferroviárias e hidroviárias ligando estes extremos. As ferrovias que existem também não são conectadas – cada uma possui uma bitola diferente. Além disso, o manejo entre vagões traz perdas muito grandes. Nesse tipo de transporte, cada troca representa perda.

“Ferrovias e hidrovias vêm recebendo investimentos nos últimos anos, mas ainda insuficientes para funcionarem como um complemento na intermodalidade do transporte de cargas agrícolas. A grande distância entre as fazendas até os principais terminais ferroviários e hidroferroviários do País também é um desafio, e motivo da baixa utilização destes modais para o transporte”, completa o CEO da Lincros.