Leandro Callegari Coelho – Editor do site Logística Descomplicada (www.logisticadescomplicada.com). Cursa PhD em Gestão de Operações e Logística no HEC Montreal, no Canadá, sendo membro do CIRRELT – Centro Inter-universitário de Pesquisa em Redes de Empresa, Logística e Transportes (www.cirrelt.ca). É mestre em Engenharia de Produção com foco em Logística e Transportes, possui especialização em Administração e é graduado em Engenharia de Produção Elétrica. Atua na área de estratégia logística e estatística aplicada, especialmente modelos de previsão e redução de estoques.
Em épocas de desastres ambientais como as chuvas e os desmoronamentos que vivenciamos no Rio de Janeiro no início deste ano – ou em catástrofes como os terremotos do Chile e do Haiti no ano passado – percebemos que ajudas humanitárias são requisitadas em (e recebidas de) todas as partes do mundo.
Neste momento notamos que os conhecimentos que temos em logística empresarial e gestão da cadeia de suprimentos são válidos e podem ajudar a aliviar as dificuldades daqueles que estão nos locais afetados.
Semelhanças entre a logística empresarial e a logística humanitária
Antes de destacar as semelhanças entre os dois sistemas, vejamos de maneira simplificada o que a logística faz por uma empresa tradicional.
Começando pelos consumidores: a empresa percebe qual a demanda esperada para os próximos períodos baseada em informações provenientes do mercado consumidor. Esta demanda serve, então, de motor que impulsiona a fabricação de produtos, o agendamento da mão de obra e a compra de matérias-primas. Para atingir estas etapas é preciso fazer contato com fornecedores, avaliar os estoques e o fluxo financeiro, além de coordenar o transporte das partes individuais entre cada elo.
Sob o ponto de vista da logística humanitária, podemos fazer analogias em todas as fases deste processo: o mercado consumidor passa a ser a população atingida. A demanda estimada é a necessidade de água, comida, roupa e bens para atender à população. Ao invés de centros de distribuição, passamos a ter postos de coleta e de distribuição de donativos. A linha de produção vira uma estação de triagem e redirecionamento do material recebido. Empresas, governo e voluntários passam a agir como fornecedores. E, finalmente, é preciso que todos os donativos sejam direcionados para a área atingida, necessitando de transporte rápido e adequado.
A fase de preparação – informação é fundamental
Informação sobre a demanda e sobre a população atingida é fundamental para o início de uma operação de ajuda. Mas mesmo antes da ocorrência do desastre, informações já são fundamentais em outros aspectos.
Ter conhecimento sobre áreas de risco é a primeira etapa. Agir e tomar providências para que estas áreas deixem de ser áreas de risco é uma obrigação do poder público. Seja através de obras de infraestrutura ou mesmo da desocupação da área, são medidas que devem ser tomadas para evitar prejuízos futuros: vidas, perdas materiais e gastos enormes no caso de um incidente.
Há desastres, no entanto, que não podem ser evitados: terremotos e alagamentos têm sua origem na natureza, que não pode ser diretamente controlada pelo homem. Ainda assim, a informação advinda de sistemas de monitoramento e de dados históricos pode ajudar na evacuação preventiva das áreas potencialmente atingíveis.
Uma vez ocorrido o desastre é preciso saber de antemão para quem recorrer, quais os locais de armazenamento e distribuição dos donativos, regiões com amparos para os desabrigados, enfim, ter algum conhecimento prévio sobre as cadeias de suprimentos para este evento.
Atuação rápida pode ser chave para o sucesso
Tendo as informações pré-avaliadas torna-se mais fácil responder com velocidade e agilidade, quando necessário. Em especial, questões logísticas precisam estar pré-definidas: rotas dos veículos, meios de transporte utilizados e localização dos centros de coleta, de triagem e de distribuição.
Para que estas ações sejam coordenadas com eficiência, é preciso haver uma linha de comando, uma hierarquia. Se todos os envolvidos souberem a quem se reportar e de onde esperar as ordens, o sistema funcionará de modo mais adequado. Por vezes as ordens parecem dispersas e não sabemos quem realmente manda na situação: bombeiros, defesa civil, Cruz Vermelha, a mídia… é preciso centralizar o poder de decisão para que, com esforços coordenados, a ajuda seja mais eficaz.
Além disso, algumas decisões tomadas no início (ou até mesmo antes do início) dos processos de resgate e ajuda têm papel fundamental no desenrolar da operação: onde estabelecer os centros de emergência, tanto para coleta e distribuição dos recursos (materiais e humanos, tais como equipes de resgate, voluntários, ambulâncias), mas também onde fazer a recepção, o alojamento temporário e a triagem dos desabrigados e/ou feridos.
Estas decisões de localização podem levar em consideração fatores mais simples, como área de cobertura, facilidade de instalação ou rapidez no atendimento de uma determinada área, como podem também ser mais complexas, envolvendo os custos de instalação e de transporte para as áreas atingidas.
É possível que nos primeiros momentos da crise seja necessário utilizar aviões ou helicópteros, pois as estradas podem estar interditadas ou mesmo destruídas. Saber onde buscar estes recursos é fundamental para poder levar comida, remédios e água potável para as populações atingidas da maneira mais rápida possível.
Estabelecer e divulgar centros de coleta de doações é outra medida fundamental, como veremos na seção a seguir. Ser capaz de transportar as toneladas de doações arrecadadas até algum centro de triagem e distribuição próximo do local do desastre é outra etapa importante. Finalmente, fazer a distribuição em pequenos lotes para toda a região atingida utilizando todos os caminhos disponíveis faz com que o máximo possível de pessoas atingidas sejam ajudadas.
Todos estes são problemas que as grandes empresas enfrentam todos os dias e para os quais existe conhecimento logístico para diminuir custos e maximizar a cobertura e eficiência. Desde a localização de um centro de distribuição, passando pela escolha de fornecedores e modais de transporte, até a logística de distribuição física, é possível fazer analogias com as necessidades enfrentadas por aqueles que querem ajudar em casos de tragédias.
Avaliação de desempenho de operações de logística humanitária
É difícil fazer uma avaliação de desempenho de uma operação de logística humanitária, da mesma forma que é difícil levantar indicadores de desempenho para um hospital. Se houve uma morte, é possível classificar a operação como um sucesso?
Como vimos, a ajuda deve ser ágil e rápida para evitar danos pós-tragédia. Em uma operação de resposta a um desastre é preciso considerar a agilidade/velocidade da ajuda, a eficiência em entregar os produtos necessários em quantidades suficientes aos locais atingidos e o custo da operação.
Em conjunto com operações da Cruz Vermelha, a pesquisadora Anne Davidson conseguiu elaborar um conjunto de 4 indicadores de desempenho que podem ajudar a compreender o quão bem sucedida é uma operação deste porte.
1. Cobertura dos recursos: este indicador divide-se em dois outros que irão mostrar o percentual de bens necessários frente ao que foi arrecadado e qual o percentual dos bens arrecadados que foi efetivamente entregue à população atingida. O primeiro ajuda a entender quão rapidamente consegue-se arrecadar aquilo que é necessário; o segundo mostra um índice de eficiência no transporte e na distribuição dos donativos. Juntos, mostram a eficiência em arrecadar e distribuir os produtos necessários.
2. Tempo entre doação e entrega: assim como o lead time funciona na logística empresarial, este indicador mostra quanto tempo perde-se nos processos de transporte e triagem.
3. Eficiência financeira: nem sempre os produtos provêm de doações – como é o caso de remédios, às vezes comprados às pressas, de laboratórios mais próximos e sem grandes pesquisas de preço. Então, é importante saber o custo extra incorrido pela necessidade de ser rápido. Além disso, normalmente a infraestrutura local está devastada e meios de transporte mais caros devem ser usados nos primeiros dias. Com o tempo, o custo de transporte também deve diminuir, mas é importante saber quanto se pagou a mais pelo uso de meios alternativos.
4. Exatidão da avaliação: em momentos de crise, com informações escassas e pouco tempo para avaliação, é comum que ocorram divergências entre aquilo que de fato era necessário e aquilo que foi divulgado. Eventualmente espera-se necessitar de roupas e comida para 100 mil pessoas, quando na verdade 50 mil pessoas teriam sido atingidas. Conhecer os processos de tomada de decisão e avaliar a exatidão dos números estimados é importante para que medidas corretivas sejam tomadas para os próximos desastres.
Conclusão
O que vemos é que a logística empresarial tem muito a ajudar nos casos de desastres em que a logística humanitária se faz necessária. Muitos conceitos utilizados diariamente por empresas, tais como roteirização, instalação, estocagem e coordenação de uma cadeia de suprimentos, estão presentes também nas decisões da logística humanitária.
Assim como nas empresas, o treinamento das equipes de resgate se faz essencial para que estejam preparados a agir quando necessário. Isto é válido para as equipes responsáveis pelo atendimento (como bombeiros, defesa civil ou ONGs), mas, também, através da oferta de cursos de primeiros socorros para as comunidades e para a população em geral.
Vimos que com um processo claro e bem definido é possível salvar mais vidas através de um atendimento ágil e eficiente, utilizando da melhor maneira possível os recursos materiais e humanos disponíveis para a tarefa.
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