Longe da versão romantizada através da qual o caminhoneiro foi retratado por muito tempo – como aquele que tem o privilégio de desbravar as regiões mais remotas do País, planejando a própria escala de trabalho e descobrindo cada vez mais paisagens -, estes profissionais enfrentam, hoje, uma série de entraves na profissão, que vão desde salários baixos; rotinas exaustivas ao volante; jornadas excessivas; até a escassez de recursos e incentivos para a manutenção dos veículos.
Um recorte dessa realidade foi feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), por meio do Perfil do Caminhoneiro 2016, divulgado em fevereiro, que ouviu mais de mil caminhoneiros em todo o País, em novembro do ano passado. Entre as principais insatisfações relatadas por eles, os baixos valores pagos pelos fretes, a insegurança nas viagens e as dificuldades em pagar as prestações do veículo que é instrumento de trabalho.
Esses problemas, contudo, não afetam apenas os caminhoneiros, mas toda a cadeia que depende deles – o que inclui uma rede extensa, especialmente num País em que cerca de 61% do transporte de cargas é feito pelo canal rodoviário, segundo a CNT; e onde, dos mais de 1 milhão de transportadores rodoviários registrados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em 2014, 83,4% deles eram caminhoneiros autônomos.
“O que eu vejo é que existe uma série de normas começando a restringir o transporte rodoviário de cargas no Brasil e o trabalho dos caminhoneiros, isso num País essencialmente rodoviarista”, avalia o professor de Logística da Universidade Presbiteriana Mackenzie de Campinas/SP, Mauro Roberto Schluter. Segundo o professor, que estima existirem atualmente 1,5 milhão de caminhoneiros ligados a empresas e mais de 1 milhão de autônomos, é preciso rever esse modelo de profissão e produtividade, do contrário, “o País vai parar”.
Novo modelo de negócio
Com mais caminhões disponíveis nos pátios de carga e menos demanda de transporte, devido à produção reduzida em boa parte das indústrias do País, o frete fica cada vez mais desvalorizado e, consequentemente, também o ofício de quem passa longas horas na estrada à frente desses veículos. Mas essa situação poderia ser diferente, segundo garante Schluter: “O governo não está fiscalizando o horário dos caminhoneiros nas estradas. Se isso acontecesse, ia faltar caminhão pra transportar cargas, e o frete ia ser realinhado em cerca de 25% ou 30%”.
Uma vez que essa fiscalização mais rigorosa deve demorar a se concretizar, por falta de estrutura, o professor projeta, então, um novo destino para o ofício dos caminhoneiros autônomos. “O futuro reserva para eles um novo modelo de negócio, eles precisam se reunir em cooperativa ou algo do tipo para ter realinhamento dos fretes. Do jeito que está, só dá pra ir empurrando com a barriga”, atesta Schluter.
Esse novo futuro dos caminhoneiros depende, também, da integração intermodal, que diversificaria os canais logísticos do Brasil, como defende o coordenador de Pesquisa e Estatística da CNT, Jefferson Cristiano. “Já temos infraestrutura de rodovias, e não há como pensar no sistema integrado sem os caminhoneiros, mas no ritmo em que caminham os investimentos no País, vamos depender só deles por mais tempo”, pondera.
“E como podemos querer multimodalidade se estamos cercados de monopólios e duopólios na malha?”, questiona Mauro Roberto Schluter, da Mackenzie.
À espera da melhora
Acima desses empecilhos, os caminhoneiros não desligam os motores e permanecem na atividade, seja por uma teimosia em fazer com que o ramo escolhido para a vida dê certo ou mesmo por falta de outras oportunidades que os recebam. E seguem, “transportando o Brasil nas costas”, como assumem alguns deles, e esperando, como outros milhões de trabalhadores no País, uma melhora na profissão e na vida.
Participação
61 Por cento do transporte de cargas do País é feito pelo canal rodoviário, segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Fonte: Diário do Nordeste