Após quase uma década de análise e montagem de sua matriz portuária na região amazônica do país, a Cargill anuncia hoje ao mercado seu último investimento de grande porte na região: a construção de um novo porto no Pará, ao custo inicial de R$ 700 milhões.
Maior companhia do agronegócio mundial de capital fechado, a múlti assinou o contrato de compra de um terreno de quase 400 hectares na ilha de Urubuéua, no Pará, onde construirá seu maior terminal fluvial graneleiro em capacidade de movimentação no Arco Norte. Ligada ao município de Abaetetuba, a ilha está localizada na região de Barcarena, que ganhou importância nos últimos anos com a chegada das tradings e o escoamento da safra brasileira de grãos.
“Foram oito anos analisando opções até chegarmos a esse local”, antecipou ao Valor Clythio Buggenhout, diretor de Portos da Cargill no Brasil, que registrou lucro líquido de R$ 669,5 milhões em 2016.
Com capacidade de movimentação de seis milhões de toneladas de soja e milho por ano – futuramente, podendo ser ampliado para 10 ou 12 milhões de toneladas, a depender da demanda por grãos -, o novo porto deverá entrar em operação entre 2022 e 2025. Conforme o executivo, as necessidades atuais preveem utilizar não mais que 10% da área adquirida. O início das obras está vinculado a aprovações regulatórias. O EIA-Rima, que mede o impacto ambiental do investimento, já foi protocolado na Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará.
Segundo Buggenhout, o porto fluvial deverá fechar “pelo menos nos próximos 20 anos” os investimentos da Cargill de grande fôlego na região, que beiram R$ 1,3 bilhão e chegará a R$ 2 bilhões se incluído o futuro investimento. Era a peça que faltava no tabuleiro logístico para alavancar a capacidade de operação da múlti no Norte, para onde as tradings passaram a olhar como alternativa aos portos saturados do Sul e Sudeste do país.
Com terminais próprios em Porto Velho, Miritituba e Santarém, e parcerias de transporte com terceiros, a Cargill atingiu seu potencial de operação com a expansão do porto em Santarém, que passou de uma capacidade anual de 2,5 milhões para 5,5 milhões de toneladas de grãos. A partir desse ponto, perderia possibilidades de novos negócios para a concorrência.
“Temos de olhar muito à frente para ter capacidade de absorver os volumes futuros. Em Santarém, projetamos para o curto prazo. Isso é doloroso e caro”, afirmou ele.
Desde que entrou na Cargill, em 2009, Buggenhout teve como uma de suas missões completar a matriz no Norte. Isso incluiu não só a ampliação de Santarém mas, principalmente, aquisições. O elo que faltava percorreu longas distâncias até a escolha por Abaetetuba.
A companhia avaliou opções ao longo dos principais rios amazônicos e sugeriu ao governo a inclusão no pacote de concessões federais o VDC-29, o terminal graneleiro no porto público de Vila do Conde, em Barcarena. A Cargill nunca negou desinteresse no lote – desistiu, segundo alega, devido ao atraso do governo em levar adiante e formalizar o programa. “Isso só ocorreu em dezembro de 2015, e aí já havíamos decidido por um porto privado”, afirmou Buggenhout.
A ilha de Urubuéua pareceu mais viável depois que o governo paraense anunciou planos de construir no local um grande complexo portuário estadual, denominado Coimport. A declaração de intenção do governo, associada à transformação da área de zona rural para urbana, “deu mais tranquilidade para olhar a região”.
O futuro porto da Cargill na ilha paraense está a uma distância de 2.503 quilômetros de seu terminal em Porto Velho e de 1.098 quilômetros de Miritituba. A partir desses pontos iniciais, a carga poderá ser transbordada das barcaças em Santarém ou em Urubuéua. Nesta, o transbordo deverá ocorrer na Baía do Capim, protegida de grandes ventos e oscilações nas ondas.
A decisão pela baía foi um aprendizado da Cargill, a última grande trading a chegar a Barcarena, com os problemas de fundeio ocorridos com barcaças da Bunge / Amaggi e Hidrovias do Brasil. Características oceânicas do rio Pará naquela região, provavelmente subestimadas nos estudos de viabilidade, levaram à soltura de comboios, provocando acidentes. A solução foi redirecioná-los para um braço calmo do rio chamado de Furo do Arrozal. Assim como a Cargill, a Louis Dreyfus Company (LDC) escolheu a ilha de Marajó para construir seu porto, numa área chamada Malato e também abrigada da agitação da água.
Os riscos operacionais também motivaram investimentos recentes da Cargill em Rondônia, após as enchentes de 2014 em Porto Velho paralisarem as operações da companhia. A múlti adquiriu um terreno ao lado do terminal da Amaggi onde, eventualmente, poderá erguer um segundo terminal para complementar o atual. É um projeto conceitual – “um outro Miritituba”, com capacidade de movimentação de 3 milhões a 4 milhões de toneladas/ano -, que poderá, eventualmente, ser levado adiante.
Ainda que o foco principal seja no corredor Norte, a Cargill também está em processo de construção de seu terminal graneleiro em Santos, em parceria com a Dreyfus, e aguarda aval do governo federal para a construção de um píer no porto de Paranaguá, no Paraná.
Segundo Buggenhout, investir em Barcarena foi uma alternativa estratégica porque a demanda vem crescendo a um ritmo maior que o dos aportes gerais em infraestrutura. Em 2017, as tradings embarcaram, no total, 15 milhões de toneladas de grãos pelo Arco Norte.
Fonte: Valor Econômico