Crescimento da população de baleias aumenta risco de colisão com embarcações

Cuidar do meio ambiente é obrigação de todos, isso não se discute. Como praticamente toda atividade econômica tem impacto ambiental negativo, é fundamental que as empresas adotem práticas sustentáveis que diminuam esse impacto. Com relação ao transporte marítimo, a atenção se volta à baleia jubarte, que está entre os animais que podem ser afetados pela prática.

“Com a recuperação das populações de algumas espécies de baleias após séculos de caça, estamos vivendo uma situação que era a realidade de nossos bisavós, com o mar repleto de baleias. Por isso, as empresas de navegação precisam conhecer onde e quando ocorrem concentrações desses mamíferos em nosso litoral e, se possível, evitar estas áreas”, explica o médico veterinário Milton Marcondes, coordenador de pesquisa da ONG Instituto Baleia Jubarte (IBJ).

A população de baleias jubarte saiu de aproximadamente 3.400, em 2002, para 17.000, em 2015. Estima-se um crescimento de 12% ao ano. Com base nesses números, pode-se dizer que, ultimamente, já são mais de 20.000. Neste ano, o IBJ fará uma nova estimativa através de um sobrevoo na área de ocorrência.

A jubarte estava com uma população muito baixa por causa da intensa caça sofrida, especialmente no século XX. A caça foi interrompida em 1966, quando estima-se que restavam cerca de 800 baleias dessa espécie no Brasil.

Assim, a jubarte conseguiu se recuperar e, em 2014, foi retirada da lista oficial de animais ameaçados de extinção no Brasil. “No entanto, com a recuperação da população e com o aumento do trânsito de embarcações em nossas águas, começamos a registrar com mais frequência o atropelamento de baleias. Isto pode acontecer tanto com embarcações pequenas – como barcos de pesca e veleiros – quanto com grandes navios. Quanto maior e mais rápida a embarcação, maiores as chances de a colisão causar a morte do animal”, ressalta Marcondes.

De acordo com ele, não há dados precisos sobre os acidentes. E isso ocorre por dois motivos. Primeiro, não existe regulamentação que exija a notificação dos acidentes, então, muitos não são relatados. Em segundo lugar, as baleias podem estar muito afastadas da costa (às vezes mais de 200 km) e, se ocorrer um atropelamento nestas regiões, mesmo que o animal morra, a carcaça não vai chegar à praia. E, se chegar, o estado de decomposição muitas vezes dificulta o diagnóstico da causa da morte. Além disso, para os grandes navios, a colisão pode nem ser percebida pela tripulação.

“Nos últimos dez anos, na Bahia e no Espírito Santo, o Projeto Baleia Jubarte registrou mais de 12 casos de atropelamentos de baleias jubarte, mas é provável que esta seja apenas a ponta do iceberg. A quantidade de casos deve ser bem maior”, acrescenta o veterinário.

Embora não haja legislação específica sobre atropelamento de baleias e golfinhos, há algumas leis que se referem à proteção desses animais. Como a 7643, de 18 de dezembro de 1987, que proíbe o molestamento intencional de baleias e golfinhos e prevê punições nestes casos.

Também a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, em seu artigo 32, tipifica como crime ferir ou mutilar animais silvestres. “A questão é se o atropelamento foi uma fatalidade que não poderia ser evitada ou se ocorreu por imperícia, imprudência ou negligência. Nestes casos, vai depender do entendimento do juiz”, expõe Marcondes.

Neste sentido, ele reforça que é importante que as companhias de navegação adotem práticas que minimizem o risco de atropelamentos de baleias. Nos Estados Unidos, uma empresa foi multada em 750 mil dólares por atropelar e matar uma baleia jubarte próximo a um parque nacional no Alasca. Recentemente, a Costa Rica estabeleceu uma normativa para reduzir os riscos de atropelamentos em suas águas jurisdicionais. “Este é um problema que ocorre no mundo todo e diversas organizações estão buscando soluções para reduzir o risco de acidentes.”

De fato, há países onde este problema é mais crítico, como o Panamá, onde o volume de tráfego é impressionante devido ao Canal do Panamá. “É como uma onça tendo de atravessar uma rodovia que corta sua área de ocorrência.”

Também os países banhados pelo Mediterrâneo têm um tráfego de embarcações muito grande, o que fez com que eles começassem a buscar soluções e legislação muito antes do Brasil. “Nossa realidade começou a mudar nos últimos dez anos, com o crescimento da população de baleias jubarte e com a construção de novos portos ao longo de nossa costa. Estamos começando a nos preocupar mais com este problema, mas precisamos ampliar esta discussão”, alerta.

De acordo com o veterinário, a Marinha do Brasil tem um papel fundamental. “Poderiam ser inseridas nas cartas náuticas ou no Aviso aos Navegantes alertas sobre as áreas e os períodos do ano com maior concentração de baleias, alertando as embarcações e tornando a navegação na Zona Economicamente Exclusiva (ZEE), espaço marítimo de responsabilidade e gestão do Brasil, mais segura tanto para as baleias como para os navegadores”, ressalta.

Marcondes diz que o Projeto Baleia Jubarte tem todo interesse em colaborar com o governo e a iniciativa privada no sentido de reduzir a possibilidade de colisões. O instituto está buscando mapear, através dos Automatic Identification System (AIS) – sistema de rastreio de embarcações que permite identificar nome, rota e velocidade –, as áreas com maior densidade de tráfego e cruzar estas informações com os mapas de densidade de baleias na costa, para identificar as áreas com maior risco.

“A solução as vezes pode ser simples. Uma embarcação que esteja passando por nossa costa pode abrir a rota em alguns graus sem que isso implique em aumento da rota ou em custos de operação”, explica.

Vale lembrar que além do risco de vida para as baleias, embarcações menores podem sofrer danos quando colidem com esses animais. Marcondes lembra que, em 2017, um catamarã de transporte de passageiros que faz a rota Morro de São Paulo-Salvador colidiu com uma baleia. Com isso, um eixo da hélice entortou e começou a entrar água no flutuador. “Foi necessário navegar com apenas um motor e com escolta da Marinha, pois havia risco de a embarcação naufragar antes de chegar ao porto”, recorda.

Case

Pensando na segurança desses animais, o Instituto Baleia Jubarte, as empresas do setor de celulose Veracel e Fibria e a transportadora de carga marítima Norsul organizaram um Grupo de Trabalho de Prevenção e Mitigação de Colisões com Embarcações.

A primeira medida tomada foi evitar o encontro de baleias e embarcações durante o transporte de madeira e celulose pelo Banco dos Abrolhos, na Bahia, a principal área de reprodução das jubarte no Brasil.

O Projeto Baleia Jubarte estabeleceu mapas de densidade de baleias na região e, juntamente com as empresas parceiras, estabeleceu uma rota que evitava as áreas com maior densidade, diminuindo o risco de colisões.

Caso não seja possível evitar as áreas, outras medidas podem ser adotadas, como a presença de observadores à bordo para detectar a ocorrência de baleias. “Nós temos observador a bordo do empurrador que faz a rota Belmonte-Portocel e estamos trabalhando junto à Norsul para treinar as tripulações que operam no Banco dos Abrolhos”, explica Marcondes.

Outras ações são a redução de velocidade ao transitar pelas áreas mais críticas e o treinamento das tripulações para que entendam sobre o comportamento das baleias, a velocidade de deslocamento e como adotar medidas em casos de situação de risco de colisão eminente. “Já tivemos experiência em que as tripulações diziam não haver baleias em sua rota, mas quando colocamos um observador treinado a bordo, avistamos muitas. Eles diziam não haver porque não sabiam exatamente o que procurar”, expõe.

Marcondes conta que quando começou o transporte de madeira e celulose no Banco dos Abrolhos, muitas das ações que foram implementadas eram resultado de condicionantes ambientais impostas pelo órgão licenciador para emitir a licença de operação da rota. “Ao longo do tempo de trabalho conjunto entre o Projeto Baleia Jubarte e as empresas do setor, criamos uma relação de confiança e avançamos na busca por soluções para minimizar os riscos de acidentes. Atropelar uma baleia é ruim para todos, seja para nós que trabalhamos com a conservação desta espécie, seja para a empresa que tem sua carga transportada ou para a companhia de navegação”, diz.

Flávia Silva, gerente de suprimentos e logística da Veracel, conta que a parceria com o IBJ teve início em 2003 com o objetivo de evitar impactos à biodiversidade no trajeto realizado pela barcaça que transporta a celulose da Veracel, do Terminal Marítimo de Belmonte, no Sul da Bahia, ao Portocel, no Espírito Santo.

O IBJ tem o importante papel de realizar o avistamento, a contagem da população de baleias e o monitoramento dos ciclos de reprodução e encalhes, contribuindo com a conservação destes indivíduos pela costa brasileira. A parceria também conta com treinamento sobre o comportamento das baleias e educação ambiental para a tripulação, a cada início de temporada.

De acordo com Flávia, entre os meses de julho e novembro, época de migração, é possível encontrar uma grande concentração de baleias próxima à rota de navegação da Veracel, já que estes animais procuram a região para a reprodução e o nascimento dos filhotes. “Diante desta situação, a empresa iniciou um projeto de monitoramento de cetáceos com o intuito de evitar possíveis acidentes. A partir deste monitoramento, a empresa conseguiu traçar mais de uma rota segura para navegar, fazendo com que o transporte da barcaça não interfira na rotina destes animais”, detalha.

Esta é uma das iniciativas da empresa para minimizar os impactos de suas operações. “Para a Veracel, representa o compromisso e o respeito com o meio ambiente, item fundamental da nossa agenda de sustentabilidade”, salienta Flávia.

Já a parceria do IBJ com a Norsul começou nos anos 2000, quando se estudava a implantação do transporte de toras de madeira de Caravelas, BA, para Aracruz, ES. “Naquele momento, compreendeu-se que a sustentabilidade do negócio passava pela harmonia com o meio ambiente. Entender a biodiversidade local é importante para sua preservação”, comenta Marcos Cid de Araujo, gerente de contratos da Norsul.

Ele explica que foram desenvolvidas duas derrotas de navegação (desvio de rota). No período em que as baleias estão por perto, as embarcações trafegam mais próximo à costa, área na qual, devido à maior turbidez da água, a concentração de jubarte é reduzida.

Vale ressaltar que a empresa montou, em conjunto com o IBJ, um treinamento a todos os tripulantes que navegam em regiões onde há concentração dos cetáceos. Esse treinamento é ministrado pela equipe técnica do instituto.

O case envolvendo o IBJ e as empresas Veracel, Fibria e Norsul foi apresentado pelo Embaixador Hermano Telles Ribeiro durante a reunião anual da Comissão Internacional da Baleia, único fórum reconhecido pela Organização das Nações Unidas, que aconteceu em meados de setembro de 2018, em Florianópolis.

Uma semana antes do fórum internacional, o case ganhou espaço na Plenária da IWC – International Whaling Commission, que é o principal tratado internacional sobre baleias e do qual o Brasil é signatário. “Nós apresentamos este estudo de caso sobre as ações que estão sendo adotadas para minimizar o risco dos atropelamentos de baleias em Abrolhos, destacando como é importante o diálogo entre o setor produtivo, o setor de transporte e os pesquisadores para a busca de soluções conjuntas. O trabalho foi muito bem recebido e elogiado por delegados de outros países presentes no evento, como o comissário de Mônaco, Dr. Fréderic Briand, para quem o case brasileiro é um grande exemplo e deveria integrar uma base de dados de melhores práticas sobre o tema”, salienta Marcondes.

 

Veracel

Em 2015, a Veracel passou a fazer o transporte de celulose, do Terminal Marítimo de Belmonte – TMB para o Portocel, exclusivamente pelo sistema de cabotagem. No período de um mês, são realizadas 13 viagens, aproximadamente, três por semana. Cada barcaça, quando totalmente carregada, é capaz de transportar 7.242 toneladas de celulose, equivalente a cerca de dois dias e meio de produção da fábrica. Ao final de um mês, é feito o desembarque de 94.146 toneladas de celulose no porto. O TMB conta com 240 colaboradores habilitados para as atividades, entre eles, funcionários da Veracel e das empresas parceiras.

 

Norsul

A Companhia de Navegação Norsul possui frota própria formada por embarcações de diversos tipos, graneleiros, multipropósitos, barcaças e empurradores oceânicos, com range de porte bruto entre 6.000 e 70.000 TPB. Seu foco é a navegação de cabotagem, atuando também no longo curso.

As principais cargas transportadas podem ser divididas em três tipos: granéis secos, principalmente bauxita e minério de ferro; carga geral ou neo granel, na qual se incluem produtos siderúrgicos e florestais (celulose e madeira em toras); e a carga geral propriamente dita, como torres, pás e geradores eólicos e granel líquido, como óleo vegetal, etanol, produtos químicos e derivados de hidrocarboneto.