O desenvolvimento do modal depende de uma ação integrada entre governo, em todos os níveis, e a iniciativa privada, tanto do lado do produtor (exportador/importador) quanto do transportador.
Para falar sobre os desafios do transporte marítimo brasileiro, convidamos Adalberto Tokarski, diretor-geral da ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários, que fez uma ampla análise englobando diversos pontos.
Segundo ele, parte dos desafios do transporte marítimo está intimamente ligada à dinâmica do comércio exterior brasileiro. “No caso das exportações, em que predominam os granéis sólidos – essencialmente minérios e commodities agrícolas – e granéis líquidos, basicamente hidrocarbonetos, os desafios não estão propriamente no transporte, mas nas cotações internacionais desses produtos no mercado internacional”, explica Tokarski.
Para o entrevistado, é necessário analisar os desafios do setor distinguindo aqueles que dizem respeito à cabotagem, que afetam as empresas brasileiras de navegação, dos que se referem ao longo curso, observados majoritariamente pelas transportadoras que têm bandeira de outros países.
O Brasil é grande importador e exportador de granéis sólidos e líquidos, além de importador de mercadorias conteinerizadas. Nesse ponto, Tokarski frisa que a marinha mercante brasileira está voltada eminentemente à cabotagem, praticamente não atuando no transporte de longo curso, salvo em relação aos países com os quais o Brasil tem acordo internacional firmado, que são Argentina, Uruguai e Chile.
“Em relação à cabotagem, já são sobejamente conhecidos os principais desafios com que se defronta o setor, relativos aos entraves decorrentes dos elevados custos dos combustíveis (bunker), excesso de carga tributária, conflitos fiscais entre as Unidades da Federação e excesso de burocracia, dentre outros”, cita o profissional.
Ele acrescenta que a cabotagem de granéis é mercado verticalizado, pois atende às necessidades específicas do setor de distribuição de combustível, em especial da Petrobras/Transpetro. Noventa e seis por cento da movimentação na cabotagem de granel líquido é feita na distribuição de combustível, que no primeiro semestre de 2017 teve queda de 1,8%, com 71 milhões de toneladas. Já a cabotagem de granel sólido operou no mesmo período em baixa de 4,4%, tendo minérios, escórias e cinzas como principais mercadorias movimentadas, representando 90% do share, com 15,5 milhões de toneladas.
O diretor-geral da ANTAQ destaca que esses dois perfis são específicos de terminais verticalizados e especializados nesse tipo de carga. Já a carga geral operou em alta expressiva (15,7% de aumento), muito embora o volume movimentado seja apenas de 5,8 milhões de toneladas – madeira, ferro fundido e celulose.
“O grande negócio da cabotagem está na movimentação de contêineres, visto que é a mercadoria com maior valor agregado e com maiores quantidades de linhas no Brasil”, expõe. O primeiro semestre de 2017 apresentou crescimento de 8,2% para contêineres (em toneladas), mostrando reação ao crescimento observado no mesmo período de 2016 (1,25%).
De acordo com Tokarski, embora o mercado ainda se mostre reticente em reconhecer a cabotagem como alternativa segura e viável em suas estratégias logísticas, o transporte de contêineres pela cabotagem tem crescido significativamente. Em 2010, foram movimentados 5,18 milhões de toneladas de contêineres, enquanto em 2016 foram 10,55 milhões – um crescimento de 103% no período, sinalizando uma tendência de forte expansão do modal, porém, ainda bastante distante de suas potencialidades.
Em relação ao longo curso, os principais desafios citados pelo entrevistado são as próprias incertezas da economia mundial em relação ao Brasil, uma vez que o país é um grande exportador de commodities, principalmente grãos, minério e derivados de petróleo. As exportações representaram 82,5% da movimentação portuária no longo curso em 2016.
Para o diretor-geral da ANTAQ, as variações de demanda, especialmente da China, principal destino das exportações do Brasil, e as flutuações do mercado interno, condicionam a dinâmica do longo curso brasileiro, mais do que as impedâncias ocasionadas por problemas de infraestrutura, logística e burocracia.
“Logicamente, a maior oferta de berços de atracação com a entrada de novos Terminais de Uso Privado e áreas de arrendamento licitadas, canais de acesso de maior profundidade com as obras de dragagem em andamento, operações portuárias mais eficientes e baratas com a integração de sistemas no Porto Sem Papel, o agendamento de caminhões e outras medidas de melhoria na movimentação de cargas nos portos contribuem para tornar o transporte marítimo mais dinâmico e competitivo”, expõe.
Tokarski ressalta os seguintes temas relacionados aos desafios desse tipo de transporte:
• Infraestrutura de acesso aos portos brasileiros. Necessidade de políticas fortes que efetivamente integrem modais, usem mais os trens e as vias interiores, distribuindo mais equanimemente os modais de transporte;
• Desburocratização de forma real das documentações necessárias para a cabotagem;
• Criação de mais ofertas de linhas de cabotagem e opções de transporte de outras mercadorias, sejam elas em contêineres ou como carga geral solta;
• Estabelecimento de políticas que criem o porto a porta nas integrações de modais, com inclusão de acertos tributários e facilidades de mudança de modal; e
• Facilitação para aquisição de novos navios e docagem.
O diretor-geral da ANTAQ soma a esses desafios as dificuldades concernentes a deficiências em infraestrutura, com limitações verificadas principalmente nos corredores de acesso terrestre aos portos, a exemplo da malha ferroviária de acesso ao Porto de Santos, a pavimentação da BR-163 próximo a Miritituba, no Pará, armazéns e pátios reguladores, além das demandas por dragagem, sinalização e balizamento junto aos portos.
Por fim, ele cita a navegação de apoio marítimo, setor que cresceu de forma exponencial até 2013, em função da grande expansão das atividades offshore de exploração do Pré-Sal, com reflexos diretos na indústria naval, e que foi duramente afetado pela crise de depreciação do petróleo, combinada com os problemas verificados na Petrobras.
Tokarski conta que, a partir de 2014, o segmento de apoio marítimo foi fortemente impactado pela crise mundial do petróleo, agravada pela recessão que o país enfrenta e por problemas internos na Petrobras. “Esta situação acabou anulando condições benéficas que eram consideradas como garantidas pelos players do setor, tais como a renovação automática de contratos de afretamento de embarcações e a disponibilidade de financiamento para a construção de navios”, observa.
Portanto, a redução dos investimentos da Petrobras e a queda no preço do Petróleo diminuíram as atividades de exploração e produção no Brasil.
O entrevistado ressalta que a elevada oferta de petróleo, devido a uma série de investimentos em novas áreas de exploração e fontes alternativas de combustível fóssil, adicionada a uma queda no consumo devido ao desaquecimento da economia chinesa, produziu o rápido desequilíbrio da balança comercial, reduzindo o preço do barril para cerca de USD 40, representando uma queda de 61% entre 2012 e 2016.
Atualmente, a frota de apoio marítimo contratada pela Petrobras, que representa 90% das contratações, é composta por 55 embarcações estrangeiras e 217 embarcações de bandeira brasileira (193 brasileira e 24 inscritas no REB – Registro Especial Brasileiro). Em 2014, a frota contratada da Petrobras era composta por 503 embarcações brasileiras e estrangeiras.
“Verifica-se que com a crise no setor de petróleo em nível mundial, todas as operadoras reduziram suas frotas de embarcações”, declara. Nesse sentido, a Petrobras passou a focar seus esforços na produção de petróleo e não na prospecção. Em 2012, haviam 100 sondas operando no Brasil, em 2016 apenas 25.
A Petrobras está se concentrando na exploração em águas profundas e ultraprofundas e na intensificação das atividades na área do Pré-Sal. Esta atividade demandará embarcações de maior porte e mais bem equipadas para operar em lâmina d’agua abaixo de 3.000 metros.
“Acredita-se que nos próximos quatro anos não haja aumento significativo na frota de embarcações de apoio marítimo operando no Brasil. A partir de 2021, o cenário poderá melhorar com o aumento da demanda de embarcações, tendo em vista a agenda de leilões de novas áreas exploratórias – nove até 2019”, ressalta.
Os reflexos desses problemas, conforme conta Tokarski, se fazem sentir diretamente na área de afretamento de embarcações de apoio marítimo: em 2012, foram 313 autorizações e 126 registros de afretamento, totalizando 439 operações. Em 2016, foram 197 autorizações e 126 registros, perfazendo 323 operações, com queda de 26% no período. “Nesse caso, o desafio está intrinsecamente associado ao próprio mercado e à capacidade das empresas exploradoras do Pré-Sal de responderem às necessidades de retomada das atividades offshore.”
Como vencer os desafios?
Para o diretor-geral da ANTAQ, o desenvolvimento do transporte marítimo mercante do Brasil depende, acima de tudo, de uma ação integrada entre governo, em todos os níveis, e a iniciativa privada, tanto do lado do produtor (exportador/importador) quanto do transportador. “O lado governamental precisa assumir seu protagonismo em relação aos aspectos burocráticos e tributários, buscando equacionar os entraves à regulamentação do Operador de Transporte Multimodal, enfrentando a guerra fiscal entre as unidades da federação e no planejamento das intervenções em infraestrutura com prioridade na integração dos modais”, frisa.
Do lado do transportador, Tokarski diz que é necessário desenvolver uma visão ganha-ganha entre os diferentes operadores do transporte terrestre e aquaviário, aplicando-se na prática a noção de que grandes volumes a grandes distâncias são melhor vocacionados para o transporte aquaviário e ferroviário, enquanto que o rodoviário deve ser privilegiado em curtas distâncias de cargas de maior valor agregado. “Mais do que uma receita de bolo, é necessário que se adotem estratégias coordenadas para tornar o transporte marítimo mais dinâmico e competitivo”, ressalta.
Situação política e econômica
Interferências no cenário político e econômico sempre irão afetar o desenvolvimento de qualquer setor em qualquer país. O transporte marítimo e o Brasil não são diferentes. Tokarski cita, por exemplo, que a crise do petróleo, associada aos problemas particulares vivenciados pela Petrobras, ocasionou reflexos diretos na indústria naval brasileira, nas atividades offshore e no comércio exterior de granéis líquidos, com severas consequências sobre o setor de transporte marítimo.
“Some-se a isso a própria crise fiscal e orçamentária do país, a tornar ainda mais escassos os investimentos públicos em infraestrutura, levando o governo federal a fortalecer ainda mais sua linha de atuação na busca de atração de investimentos privados, através, principalmente, do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI”, conta.
Perspectivas
No que compete ao setor portuário, Tokarski expõe que há em vista novos investimentos em terminais privados e arrendamentos de novas área, proporcionando um leque maior de alternativas para as empresas de transporte marítimo, seja na cabotagem ou no longo curso.
No que concerne às companhias de navegação propriamente ditas, o setor depende basicamente do mercado, já que, conforme conta o profissional, no âmbito da regulação, os serviços são prestados sob regime de autorização – com um mínimo de interferência estatal.
As projeções da ANTAQ indicam crescimento da ordem de 3,3% para toda carga movimentada no país em 2017. Isso resulta, em números absolutos, em movimentação na ordem de 1,033 bilhões de toneladas. “Assim, as tendências mostradas no primeiro semestre, de crescimento de 4,7% na movimentação portuária em comparação com o mesmo período de 2016, permitem projetar que o transporte marítimo pode esperar crescimento em suas atividades no segundo semestre”, salienta.