ECONOMIA INSTITUTO LOGWEB – Ed. 180

ARTIGO EXCLUSIVO

SUPERÁVIT PRIMÁRIOS, JURO E DÍVIDA PÚBLICA

A economia brasileira exibiu, ao longo de dezesseis anos (1998 a 2013), superávits primários, o que não impediu o salto da dívida bruta do setor público do patamar de 40%, em 1998, para quase 58% do PIB em 2013, acompanhado da elevação de 6% na carga fiscal, também medida em relação ao PIB.
Essa dinâmica perversa decorre dos efeitos da política monetária no resultado fiscal: mesmo no ano da desgraça fiscal de 2016, mais de 90% do déficit nominal que engordou a dívida bruta no primeiro trimestre foi devido ao pagamento de juros nominais, e não ao déficit primário.
A Grécia detém uma dívida equivalente a 170% do seu PIB, mas despende 5% do seu PIB em juros, enquanto o Brasil paga quase 10% do PIB em juros com uma dívida inferior a 70% do PIB. A história recente da evolução da dívida pública no Brasil demonstra o avesso da sabedoria convencional. Dizem os sabichões que a taxa de juro é elevada por causa do estoque da dívida, mas o caso brasileiro parece afirmar que a dinâmica da dívida é perversa por causa da taxa de juro de agiota.
Tal trapalhada nas relações de determinação entre juro e dívida decorre de outra: ignorar que no sistema monetário internacional prevalece hierarquia entre as moedas – o dólar é mais “líquido” do que o real. Assim, na era da globalização financeira, a descuidada abertura da conta de capitais aprisionou as políticas econômicas “internas” à busca de condições atraentes para os capitais em livre movimento.
Em 1994 a forte valorização cambial reduziu a inflação mensal para a casa dos 1%, porém ampliou o componente que correlaciona a formação da taxa de juros com a expectativa de desvalorização do câmbio. Assim, as taxas reais não podem ser reduzidas abaixo de determinados limites exigidos pelos investidores para adquirir e manter em carteira um ativo denominado em moeda fraca. Desde então, a volatilidade dos fluxos financeiros é o fio desencapado que detona choques de juros na instância fiscal e traumas de valorização/desvalorização do câmbio, desorganizando as expectativas de longo prazo – leia­-se, as decisões de investimento. A aventura de 1994 terminou na desvalorização tumultuada da “banda diagonal endógena” de 1999.
Os emergentes que galgaram posições hierarquicamente superiores na competição global apostaram no controle de capitais e no planejamento estratégico para o desenvolvimento nacional, ao invés de se ajoelharem diante da desmoralizada crença na eficiência dos mercados financeiros.
Nesse mês foi publicado pelo FMI o artigo “Neoliberalism: Oversold?”, abordando especificamente os efeitos de duas políticas da agenda neoliberal: a remoção das restrições do movimento de capitais (liberalização das contas de capital); e a consolidação fiscal (“austeridade” para reduzir déficits fiscais e o nível da dívida).
O estudo afirma que alguns influxos de capitais, como investimento direto estrangeiro, parecem impulsionar o crescimento no longo prazo, mas o impacto de investimentos de portfólio e, especialmente, influxos de aplicações especulativas de curto prazo não estimulam o crescimento e muito menos garantem um financiamento estável do balanço de pagamentos.
A ocorrência, desde 1980, de aproximadamente 150 episódios de convulsões, associadas a fluxos de capitais em mais de 50 mercados emergentes, credencia a reivindicação do economista de Harvard, Dani Rodrik, de que esses “dificilmente são efeitos ou defeitos secundários nos fluxos de capital internacional; eles são a história principal”.
Quanto à austeridade, o estudo do FMI indica: a elevação de impostos ou do corte de gastos para reduzir a dívida pode ter um custo muito maior do que a mitigação do risco de crise prometido pela sua redução. É preferível a eleição de políticas que permitam a redução do percentual da dívida, diz o FMI, “organicamente pelo crescimento”.
Segundo o estudo, as políticas de austeridade não só geram substanciais custos ao bem estar pelos canais da oferta, como deprimem a demanda e o emprego. A noção de que a consolidação do orçamento pode ser expansionista – isso é, aumenta o crescimento e o emprego –, por elevar a confiança do setor privado e o investimento, não se confirmou na prática. Episódios de consolidação fiscal foram seguidos por reduções mais do que expansões no crescimento. Na média, a consolidação de 1% do PIB eleva a taxa de desemprego em 0,6% no longo prazo, e o coeficiente de Gini (concentração de renda) em 1,5% dentro de cinco anos (“The Distributional Effects of Fiscal Consolidation”).
O estudo conclui que os benefícios das políticas da agenda neoliberal aparentemente foram um pouco exagerados. O FMI, que supervisiona o sistema monetário internacional, tem estado na dianteira dessa reconsideração. Já os, digamos, envelhecidos neoliberais do Brasil teimam em não ouvir as novas do velho patrão.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo – Doutor em economia. Autor de vários livros e professor titular da Unicamp e Facamp