Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo – Doutor em economia. Autor de vários livros e professor titular da Unicamp e Facamp
O editor do Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, criou a expressão “pensamento único” para designar o sistema de dogmas – econômicos, sociais e políticos – que atazana a paciência dos cidadãos e cidadãs, neste início de milênio. Entre as certezas graníticas e inabaláveis produzidas por este movimento de uniformização das consciências, uma desperta grande entusiasmo e unanimidade: quanto mais treinada e educada a força de trabalho, melhor será o desempenho da economia, mais qualificados os empregos e mais justa a distribuição de renda.
A educação foi sempre uma cláusula pétrea do credo iluminista-republicano. Não há de existir cidadania sem educação universal e pública. Sem ela estariam seriamente arriscadas a liberdade e a igualdade. O ideal da educação para todos nasceu comprometido com o projeto de autonomia do indivíduo, do cidadão, enquanto titular de direitos e fonte do poder republicano. A versão bastarda surge das exigências impostas pela engrenagem econômica, administrativa e ideológica do capitalismo.
A modernidade avança de forma contraditória, impulsionada pela tensão permanente entre as forças e os valores da concorrência capitalista e os anseios de autonomia do indivíduo integrado responsavelmente à sociedade. Este conflito evolui entre a dimensão utilitarista da sociabilidade – forjada na indiferença do valor de troca e do dinheiro – e os projetos de progresso social que postulam a autonomia do indivíduo, ou seja, reivindicam o direito à singularidade e à diferença.
Nestes tempos em que são proclamadas verdades incontestáveis e, dizem, andam escassas as alternativas, as funções engendradas pelos sistemas do dinheiro e do poder vêm usurpando, sem a menor cerimônia, as prerrogativas da cidadania. O leitor há de concordar: na avaliação dos bacanas, o gasto público em educação vale a pena, antes de mais nada, porque é fator de produtividade e de competitividade, além de, supostamente, oferecer igualdade de oportunidades aos que se apresentam ao julgamento sempre imparcial e impessoal dos mercados.
A experiência dos países asiáticos, Japão, Coreia, Taiwan, é frequentemente invocada pelos corifeus do pensamento único como a comprovação da importância da educação para o crescimento acelerado da produtividade da mão de obra, aquisição de vantagens comparativas dinâmicas e melhor distribuição de renda. Realçar o papel da educação e do treinamento, além de não encontrar oposição na chamada opinião pública, é uma forma de desqualificar as demais características do estilo de desenvolvimento destes países. A maioria delas – como o forte papel indutor do Estado, a estrutura e dinâmica das empresas, a natureza dos sistemas financeiros e o grau de proteção da economia – está banida dos manuais de redação dos conselheiros e divulgadores do pensamento único.
“Trate de conseguir boa educação ou será um dos derrotados pela marcha do progresso.” Este é o desafio que os senhores do mundo lançam aos que se encontram na base da pirâmide social. Esta idéia já nos foi apresentada nos anos sessenta e setenta sob a forma de Teoria do Capital Humano. Recauchutada, ela volta, para explicar ou tentar explicar o agravamento das desigualdades no capitalismo contemporâneo. Assim fica mais fácil atribuir ao indivíduo a responsabilidade por suas desgraças e por sua derrota. “Sou pobre porque sou incompetente e sem qualificação”.
Desgraçadamente, os últimos estudos internacionais sobre emprego, produtividade e distribuição de renda mostram que a educação, mesmo a de grande qualidade, é incapaz de responder aos problemas criados pelos choques negativos que vulneram as economias contemporâneas. Exemplos: valorização cambial, reestruturação das empresas impostas pela intensificação da competição, desindustrialização, crise fiscal e perda de eficiência do gasto público. Em suma, se estes fatores reais do crescimento falham, a educação naufraga como força propulsora do emprego e da distribuição de renda. Não adianta ter gente mais “empregável” se a economia não cresce e não cria novos empregos. Ao contrário do que pretendem os mandamentos e as lenga-lengas do pensamento único, a maioria não é pobre porque não conseguiu boa educação, mas, na realidade, não conseguiu boa educação porque é pobre.