Jorge Hori, especialista em ferrovias, fala do papel e do desenvolvimento deste importante setor no Brasil

Jorge Hori é coordenador do projeto “Ocupação Sustentável do Território Nacional pela Ferrovia Associada ao Agronegócio” e consultor do Instituto de Engenharia, onde é membro do Grupo do Plano Nacional Ferrovia/Agronegócio. Ele tem mais de 50 anos de experiência na atividade, tendo participado da formulação de diversos planos governamentais e privados e dos estudos e debates sobre os rumos alternativos do Brasil. Mantém, há mais de dez anos, um blog diário com interpretações sobre diversos aspectos da realidade brasileira e das suas perspectivas.

Nesta entrevista exclusiva à Logweb, Hori fala, entre outros assuntos, da importância das concessões, após a Rumo ter vencido a disputa pelo trecho central da Ferrovia Norte-Sul, além de abordar o papel das ferrovias hoje e no futuro, entre outros assuntos. Acompanhe.

 

Faça uma análise do papel das ferrovias na logística nos dias de hoje.

A ferrovia tem o papel de estruturador de um sistema logístico intermodal. Não faz mais sentido confrontar um modal contra outro. A logística precisa ser intermodal, com eixos ferroviários alimentados por outras ferrovias, por hidrovias e rodovias.

O Brasil já é hoje o “celeiro do mundo”, suprindo o mercado mundial de grãos. Tem um potencial para dobrar a produção até 2050, quando a população mundial poderá chegar próxima a nove bilhões de habitantes. Toda essa população necessitando se alimentar. Para que a produção que ocorre no interior do país chegue aos portos, será necessária uma logística adequada, tendo como eixo principal a ferrovia ou a hidrovia. Essa depende de condições naturais. A ferrovia pode ser inteiramente construída. Será a condição para efetivar um futuro do Brasil, mais desenvolvido, com ocupação mais ampla e sustentável do seu território.

 

Qual o papel das concessões para o maior desenvolvimento das ferrovias?

As concessões são o principal, senão o único meio para o desenvolvimento das ferrovias. O poder público não tem recursos para investir.

Há um compromisso sério das empresas que vencem os leilões em fazer realmente a ferrovia se tornar um modal viável? Explique.

As concessionárias são empresas capitalistas que têm que investir e precisam ter o retorno desse capital. Portanto, têm que fazê-la viável economicamente. Mas existem duas situações em que ela não investe seriamente. Uma quando é obrigada a ficar com um “osso” para ter o direito de operar um “filé”. Esse modelo, muitas vezes imposto pelo Governo, não funciona. A segunda situação é quando obtêm uma concessão para ter o trecho como reserva, seja para evitar que caia nas mãos do concorrente, seja para garantir vantagens em concessões futuras.

Quais os maiores empecilhos para o uso mais efetivo da ferrovia hoje?

A sua ineficiência e menor competitividade perante o modo rodoviário. A ferrovia, a menos em casos excepcionais, não tem condições de fazer o transporte “porta a porta”. Depende de alimentação ou distribuição rodoviária e o dono da carga acaba preferindo o transporte direito, ainda que um pouco mais caro, do que depender de transbordos que sempre retardam a entrega.

 

Como estes empecilhos poderiam ser reduzidos?

Há ainda um grande empecilho de natureza tributária, com fragmentação de exigências de documentação fiscal e pagamento de impostos a cada transbordo. Está na dependência de entendimentos com e entre os Estados. O empecilho nas ineficiências dos transbordos já vem sendo resolvido por centros logísticos de integração intermodal, altamente mecanizados e automatizados.

 

O que realmente poderia ser feito, por parte do governo, para tornar a ferrovia um modal amplamente usado?

De parte do governo, uma regulamentação mais adequada do direito de passagem e apoio a um plano logístico multimodal para o desenvolvimento econômico do cerrado brasileiro. Em São Paulo, reativar linhas ociosas, pela integração logística. E viabilizar as ferrovias para passageiros entre as grandes cidades.

Quais os segmentos da economia que mais utilizam a ferrovia como modal logístico? Por quê?

O maior e principal é a mineração, porque tem grandes volumes e as linhas ferroviárias foram instaladas para fazer o transporte “porta a porta”: da mina ao porto ou à usina siderúrgica. O setor de grãos agrícolas está usando mais a ferrovia, mas ainda se divide com a rodovia, mesmo em transporte a grande distância.

 

Quais os segmentos da economia que poderiam usar este modal, mas ainda não o fazem? Por quê?

odos os produtos agrícolas e industriais passíveis de conteinerização. Isso não ocorre pela ineficiência dos centros logísticos intermodais.

 

Qual o futuro das ferrovias no Brasil?

É um futuro promissor, mas dependente de mudança cultural, superando a disputa entre modais, para se pensar e implantar sistemas intermodais, com as ferrovias exercendo o papel de eixos estruturadores do sistema. Esse deverá ser integrado com vias rodoviárias e hidroviárias. Os polos deverão ser, também, centros de industrialização.

O novo planejamento regional deve seguir uma visão de descentralização concentrada, com a ferrovia tendo o papel de estruturador.