Logística farmacêutica no modal aéreo: em que pese a rapidez e segurança na entrega, os problemas aparecem

A falta de informação sobre a cobertura dos serviços farmacêuticos por rota ou aeronave e o atraso na saída ou cancelamento do voo colocam em risco a integridade do medicamento – considerando, ainda, que poucas empresas aéreas são especializadas no transporte deste tipo de produto.

No Brasil, as duas principais legislações que definem as boas práticas da logística farmacêutica são as leis 6360/76 e 5991/73, além da RDC – Resolução da Diretoria Colegiada 430 da ANVISA, que dispõe sobre as boas práticas de distribuição, armazenagem e transporte de medicamentos.

“Qualquer empresa de logística aérea que queira atuar com a indústria farmacêutica tem que obter a certificação da ANVISA.  Além disso, a empresa tem que ter Autorização de Funcionamento (AFE), alvará sanitário e Certificado de Regularidade Técnica (CRT)”, explica Marcelo Zeferino, Chief Operations Officer da Prestex Cargas Express, considerada referência no mercado logístico emergencial de alta performance e inovação para B2B no Brasil.

Por outro lado, agora de acordo com Jackson Campos, diretor de Mercado Farmacêutico da AGL Cargo, agente de cargas especializado em transporte para a indústria farmacêutica, as cargas de modal aéreo são caracterizadas, principalmente, por sua urgência, já que a proporção do preço frete no produto é de um para dez, onde o custo de transporte de carga marítima é, em média por quilo de produto, dez vezes mais barata que a aérea.

“Considerando isso, ainda que a carga não tenha tanta urgência, ela sendo transportada pelo modal aéreo, em vez de pelo marítimo, ficará exposta por um período bastante menor.”

Além da urgência – prossegue Campos –, as cargas aéreas na logística farmacêutica precisam de controle de temperatura, quando se trata de produto acabado, ou seja, medicamento. Não existe mais o termo “carga seca” para medicamento acabado, sendo que todas as cargas precisam ter algum tipo de controle (ou monitoramento), que seja o registro feito pela indústria farmacêutica junto à Anvisa.

De fato, as empresas farmacêuticas que utilizam o modal aéreo geralmente são aquelas que possuem medicamentos com maior valor agregado, permitindo, assim, a absorção do custo logístico maior, além de precisarem que as entregas sejam feitas o mais rápido possível, por se tratarem de medicamentos perecíveis e com controle de temperatura.

“Presenciamos, hoje, um crescimento na movimentação de medicamentos biológicos e imunobiológicos, que incluem as vacinas, como aconteceu com o Covid. E eles demandam cada vez mais o transporte pelo modal aéreo, pois possuem prazo limitado de entrega. Numa rota SP – Recife, por exemplo, que no modal rodoviário pode levar dias, de avião demora apenas horas. As embalagens isotérmicas, que são utilizadas para protegerem de modo passivo esses medicamentos, muitas vezes têm duração limitada de 24, 48 ou 72 horas, então o limite de tempo delas para manutenção acaba também sendo um fator primordial para a escolha do modal aéreo. Quanto menor é o tempo que a embalagem consegue suportar, maior a probabilidade de precisarmos do modal aéreo, ao invés do rodoviário”, aponta Ricardo Canteras, especialista em cadeia fria e logística farmacêutica e diretor comercial da Temp Log, Operador Logístico especializado nos serviços de armazenamento, fracionamento e transporte para a indústria farmacêutica.

Exigências

O Brasil possui uma quantidade boa de instalações, profissionais e equipamentos para a logística farmacêutica no modal aéreo. Isso é um reflexo da pandemia de Covid-19 que trouxe uma demanda importante por empresas e profissionais que conhecessem os produtos e como manuseá-los.

Antes da pandemia – lembra Campos, da AGL Cargo, falando sobre as exigências do setor –, eram poucas as empresas e profissionais que estavam aptos a manusear e transportar produtos de saúde, mas diante da quantidade de produtos que foram importados e precisaram ser entregues, atualmente não só o Brasil, como o mundo está bem mais preparado.

Também se referindo às exigências do setor, mas voltado para o lado, vamos dizer assim, “técnico”, Zeferino, da Prestex Cargas Express, aponta a obrigatoriedade da presença de um farmacêutico nas empresas que fazem o transporte de medicamentos. Esse profissional é o responsável técnico que garante que todas as normas sejam respeitadas ao longo do processo.  

Além disso, toda documentação da empresa tem que estar em dia, a transportadora tem que sinalizar todos os materiais transportados; manter os veículos com temperatura entre 2ºC e 8ºC, para medicamentos termolábeis, e entre 15°C e 25°C, para demais medicamentos; higienização constante da frota; e ter profissionais especializados no manuseio desses insumos.  “Tudo isso tem que ser levado em conta antes da contratação da empresa que fará o transporte dos produtos, além da expertise no mercado de logística”, adverte Zeferino.

“No modal aéreo, o controle do tipo do produto e do peso são as exigências mais marcantes. É primordial para as companhias aéreas garantir a segurança dos passageiros e da tripulação e por esse motivo a rigorosidade na classificação do que está sendo enviado e no seu tamanho e peso são fundamentais para o planejamento seguro do voo”, acrescenta, agora, Canteras, da Temp Log.

Ele também destaca que as companhias aéreas classificam os produtos transportados em grupos. Cada grupo contém uma série de exigências que precisam ser de conhecimento de todos os embarcadores e transportadores que realizarem transporte neste modal, por isso a capacitação da equipe envolvida e a utilização de sistemas que ajudem a equipe a seguir todos os procedimentos são os fatores fundamentais para garantir a segurança e agilidade exigida.

Etapas da logística

O diretor de Mercado Farmacêutico da AGL Cargo também relaciona as etapas da logística farmacêutica no modal aéreo. Na importação ou exportação, elas são:

Embalagem: as cargas são mantidas em embalagens ativas ou passivas para que sejam mantidas as características do registro do produto;

Coleta: a coleta da carga acontece em caminhão qualificado, geralmente na mesma temperatura da carga, e o carregamento deve ser feito em antecâmara;

Entrega no armazém do aeroporto: o descarregamento do caminhão precisa ser feito de maneira ágil, preferencialmente em câmara refrigerada, para que a carga seja armazenada de forma ágil; 

Armazenamento em câmara fria: como os horários de voo são predefinidos, a carga precisa ficar aguardando o voo em ambiente controlado, livre de contaminações, e deve ser disponibilizada para embarque o mais próximo possível do voo para evitar quebra de cadeia fria;

Despacho aduaneiro: a liberação alfandegária de exportação pode ser feita no aeroporto ou em zona secundária, nos portos secos, desde que eles atendam à legislação vigente;

Preparação ou paletização para embarque: as cargas são consolidadas em um palete chamado ULD (Unit Load Devide), que é uma embalagem para transporte, podendo ter diversos tamanhos.  Esta unificação acontece para todas as cargas, com exceção daquelas que já estejam embaladas com ULDs em forma de embalagens ativas ou passivas;

Puxe de carga: é o momento em que a carga é retirada do terminal alfandegado e vai para a pista para que seja acomodada na aeronave. Para cargas comuns, este puxe pode ser realizado em média 6 horas antes do voo e, nos casos de embarques de cargas perecíveis (incluindo farmacêuticas), em média 1 hora antes do voo;

Embarque na aeronave e acondicionamento em ambiente climatizado: a carga é acondicionada dentro da aeronave em seu ambiente climatizado contratado. As temperaturas oficiais do IATA, órgão internacional que rege o transporte de carga aérea, são: -18°C, +2°C a +8°C e +15°C a +25°C;

Transporte aéreo: durante o trajeto do voo nenhuma pessoa tem acesso à carga, sendo impossível tomar qualquer medida ou atender a planos de contingência;

Desembarque da aeronave: as cargas perecíveis são desembarcadas primeiro que as demais e acondicionadas no solo (pista do aeroporto) para que sejam levadas até o ponto zero, que é a fronteira entre a zona internacional do aeroporto e o terminal alfandegado;

Despaletização: a desmontagem do palete ULD ou desova das embalagens deve acontecer em ambiente apropriado de acordo com as exigências da carga;

Entrega no terminal de destino: ao atravessar o ponto zero do aeroporto, o terminal de destino separa as cargas por tipo e faixa de temperatura e as armazena de acordo com a temperatura contratada;

Armazenagem em ambiente refrigerado: o primeiro fator considerado para isso é a etiqueta presente na embalagem da carga, sendo que o documento é conferido no momento seguinte, para evitar divergências;

Conferência por autoridade aduaneira ou órgão anuente: no Brasil não há conferência da Anvisa nas cargas comuns de exportação. Na importação essa conferência é feita pós-embarque, por meio de um documento chamado “Termo de Guarda”. Outros órgãos anuentes podem conferir a carga de acordo com a necessidade e criticidade, assim como a Receita Federal pode conferir cargas em canais diferentes de verde;

Embarque em caminhão: após a liberação aduaneira, a carga é embarcada em caminhão já pré-climatizado para que seja com destino ao importador;

Descarregamento no importador: ao chegar no importador, a carga deve ser acondicionada em ambiente climatizado, qualificado, de acordo com a legislação vigente.

“A logística farmacêutica engloba cuidados mais efetivos no transporte das cargas, por se tratarem de produtos muitas vezes sensíveis, como ampolas e frascos de vidros. E para garantir que a estabilidade e qualidade dos produtos não sejam alteradas para chegar ao cliente final da mesma forma que saiu da indústria, alguns cuidados são importantes, como: após a cotação ser aprovada, nós coletamos o material com o cliente e através do modal rodoviário entregamos até o destinatário ou levamos até o aeroporto para que seja também transportado pelo modal aéreo emergencial.”

Ainda segundo Zeferino, da Prestex Cargas Express, é imprescindível que a logística farmacêutica tenha os cuidados especiais, como: veículos termicamente qualificados e refrigerados, para que cumpram a legislação vigente, RDC 430/20 e RDC 653/22, e atendam a temperatura de 15ºC a 25ºC para medicamentos, controle de pragas nos veículos para que não corra o risco de insetos e outras pragas, além de que todos os integrantes da cadeia (quem solicita a coleta, quem recebe a coleta, quem transporta a coleta) devem ser licenciados pela vigilância sanitária e todos os colaboradores que operam com as cargas devam ser treinados.

Na verdade, diz, agora, o diretor comercial da Temp Log, cada empresa possui os seus processos e cada produto possui as suas particularidades, por isso é muito difícil descrever por completo todas as etapas.

“Mas, em resumo, podemos separar as etapas em dois fluxos: o fluxo físico e o fluxo da informação. No fluxo físico, determinamos todas as ações pertinentes ao volume (caixa), tais como: separação, embalagem, conferência, identificação, pesagem, sorteamento (roteirização), carregamento e descarregamento na companhia aérea. No fluxo da informação, temos os processos de emissões dos documentos eletrônicos, tais como: importação do XML da NF-e, emissão de CT-e e MDF-e  pelo transportador rodoviário, emissão de CT-e e MDF-e pelo transportador aéreo, manifestação na base de origem e de destino”, explica Canteras.

Problemas

Pelo visto, a logística farmacêutica no modal aéreo é bastante exigente. Mas, mesmo assim, podem surgir vários problemas. Os mais comuns – de acordo com o diretor de Mercado Farmacêutico da AGL Cargo – estão ligados à quebra de cadeia fria, ocasionada por falta de conhecimento dos atuantes no transporte. Além da falta de informação sobre a cobertura dos serviços farmacêuticos por rota ou aeronave, o atraso na saída ou cancelamento do voo colocam em risco a integridade do medicamento.

Outro problema na logística, tanto de medicamentos quando na logística normal, é tratar a logística ANVISA puramente regulatória, e não como gestão da informação da cadeia.

“Estamos falando de uma logística que saí do ponto A, tem um meio do caminho e vai ao ponto B. O grande problema disso tudo é como unir as pontas, de forma visual e, principalmente, com visibilidade da cadeia. E quando falo visibilidade não é saber onde está a carga, isso é o menor dos problemas hoje. O problema é ‘eu sou programador de um grande hospital e preciso comprar seringa para um procedimento de UTI, mas por não confiar no meu modal logístico, aperto a cadeia de fornecedor desse material, pedindo 15, 20, 30% de material a mais para poder suportar a cadeia logística ineficiente que eu tenho no processo.’ Mas ele não olha para dentro do caminho que é a logística e não procura entender o que ‘existe aqui que eu possa mitigar esse risco de desabastecer minha cadeia e não precisar apertar o meu fornecedor lá na outra ponta, produzindo às vezes sem qualidade para atender a demanda’. Na logística eu aperto no custo para não sufocar minha margem, porque 30% do meu orçamento todo está em estoque parado.”

Então – prossegue Zeferino, da Prestex Cargas Express – quando se olha para a logística, “esse é o nosso grande trunfo como Prestex. A gente começou como B2B, desafiando o obvio e não indo a favor da maré, pensando em enxugar tudo o que dá para tentar atender esse comportamento de mercado”.

Por seu lado, Canteras, da Temp Log, ressalta que, no Brasil, temos poucas companhias aéreas e a disponibilidade do serviço de transporte de carga é escassa, tendo em vista que esse serviço é considerado uma receita acessória – a maior receita vem dos passageiros –, o que gera uma dificuldade em levar produtos para regiões onde não há uma movimentação muito grande de passageiros.

Hoje o Brasil é dotado de apenas 10 aeroportos que realizam transferência em aviões cargueiros, nos demais são permitidos apenas voos comerciais de menor porte. Basicamente, você precisa transportar essa carga junto de passageiros e muitas vezes não tem demanda de passageiros para aquela região, fazendo com que a companhia não disponibilize muitos voos, e não tendo muitos voos, haverá uma menor oferta, maior preço e maior o custo.

“Por isso, hoje, quem depende do modal aéreo farmacêutico acaba tendo que se ajustar a uma malha aérea que oscila conforme o trânsito dos passageiros. No caso do Covid, por exemplo, o transporte de passageiros foi quase zero, e isso no período entre 2020 e 2021 teve impacto muito grande no transporte aéreo farmacêutico, pois havia um transporte de passageiros reduzido e, não tendo passageiros, mesmo tendo carga, as companhias aéreas não disponibilizavam voos. Então, isso é um ponto importante, a malha aérea depende muito do transporte de passageiros, por isso qualquer oscilação que se tenha, se diminui também a oferta de voos para poder transportar carga, aumentando custos e prazos”, diz o diretor comercial da Temp Log.

Futuro 

É possível prever como será esta logística futuramente, considerando equipamentos, tecnologia etc.?

Para Campos, da AGL Cargo, ela será baseada no monitoramento em tempo real e na tecnologia 5G com maior cobertura no mundo, assim como na internet via satélite, que dão ao contratante a oportunidade de acompanhar o que acontece com sua carga em tempo real, oferecem informações ao dono da carga para que ele tenha ferramentas e possa gerir melhor o risco de seus transportes.

“O futuro da logística está altamente ligado à tecnologia”, concorda Zeferino, lembrando que a Prestex foi pioneira em soluções tecnológicas no segmento, acompanhando as tendências internacionais.

E Canteras, da Temp Log, finaliza destacando que a Resolução da Anvisa (RDC 304/2020, atualizada pela 653/2022) que fala sobre o monitoramento de temperatura acaba obrigando as empresas envolvidas a controlarem a temperatura dos medicamentos, não apenas os da cadeia fria, mas também os medicamentos de cadeia seca.

E essa necessidade acaba direcionando muitas empresas que fariam o transporte de medicamentos no modal rodoviário para o aéreo, porque quando esses monitoramentos estão sendo feitos é possível detectar que aquele medicamento, apesar de ser temperatura ambiente, ficou muitas horas ou dias exposto a altas temperaturas, o que gera um risco de o medicamento perder a sua eficácia. 

“A resolução da Anvisa pode aumentar a procura das empresas pelo modal aéreo justamente para diminuir esse risco de exposição à temperatura elevada, tendo em vista que o tempo de percurso é menor e você tem um risco menor de excursão da temperatura. No rodoviário, geralmente o tempo de lead time é maior e aumenta o risco de excursão. O monitoramento térmico de rotas estabelecido pela Anvisa acaba apontando algumas falhas e obrigada as empresas a reverem o modal aéreo não só por uma questão de valor agregado e, sim, também, por uma obrigatoriedade do âmbito regulatório para garantir que não haja excursão de temperatura e, se houver, que ela seja por um espaço menor possível.”