Não é de hoje que a ficção científica retrata conceitos futurísticos que, na maioria das vezes, viram realidade. Desde desenhos animados, como “Os Jetsons”, até blockbusters, como “De Volta Para o Futuro”, vemos, perplexos, conceitos que fizeram parte da imaginação se tornarem realidade. Neste sentido, o filme “Jogador Número 1” traz uma ótima ideia do que é esse mundo virtual chamado metaverso e deve estar na lista de quem quer ter uma ideia visual do que é esse conceito.
“Estamos falando de uma nova revolução industrial que, como todas as outras, mudou os aspectos de vida humana, só que desta vez através de realidade virtual – quando estamos imergidos completamente dentro de um mundo digital –, realidade aumentada – quando os aspectos do mundo virtual são trazidos ao real pelo uso de óculos especiais – e telemetria – quando sensores levam ao metaverso características da nossa realidade, como temperatura, umidade e vibração. Em outras palavras, o metaverso é uma representação virtual do mundo real onde todos poderão interagir, comprar, curtir e trabalhar através de seus avatares”, afirma Stelmo Carneiro Neto, Head of Operations da Dover Fueling Solution.
Edgard Cornacchione, professor titular da FEA/USP e presidente da FIPECAFI, também coloca que o metaverso é um conceito que extrapolou a ficção científica e, há décadas, vem se fundamentando. Trata-se de um ambiente virtual, ou um “mundo virtual” que possui algumas associações diretas com nosso mundo real e outras que vão para além desses limites.
Neste mundo virtual, pessoas (reais ou não) e organizações (reais ou não) interagem, em espaço e tempo controlados, entre si e com recursos de interesse. Aqui reside o grande apelo do metaverso: expandir os processos interativos, sociais e econômicos que podemos experienciar.
“Há mais de 20 anos a Linden Labs desenvolvia o Second Life. Considero-o um dos mais importantes precursores do movimento que vivemos atualmente. Já havia sido materializado o conceito de avatar, de moeda virtual (Linden Dollar, L$), espaço virtual (terras, como as ilhas), recursos para construção de ativos (exemplo, prims) e um marketplace para viabilizar transações. O metaverso atual se configura com base nestes mesmos princípios, porém com enorme vantagem pelas tecnologias atuais de software (por exemplo linguagens de programação), hardware (como processadores, óculos de VR/AR), telecomunicações (como 5G) e infraestrutura de segurança (blockchain) que também favorecem os meios de pagamentos (como as criptomoedas) e registro de propriedade de ativos, utilizados no metaverso”, pontua Cornacchione.
Já Eliane El Badouy Cecchettini, associate partner da Inova Consulting para Futuro, Tendências & Consumer Insights, coloca que, desde que o Facebook anunciou a mudança do seu nome para Meta (do grego, “além de”), o metaverso foi empurrado da obscuridade da ficção científica para o centro das atenções.
Metaverso é um conceito que existe há mais de três décadas, diz Eliane. Em 1992, o escritor americano Neal Stephenson cunhou o termo em seu livro “Snow Crash”. Nessa obra, um jovem entregador de pizza no mundo real se transforma em um príncipe guerreiro no metaverso. A partir de então essa ideia de poder viver outras vidas, simultaneamente à atual, começou a atrair adeptos, principalmente entre o público geek e gamers. Em 2003 tivemos uma versão beta do metaverso com o “Second Life”, que teve um hype inicial, mas perdeu a relevância por fatores que iam desde limitações tecnológicas até a falta de identidade com os usuários que não se viam naqueles avatares bastante “toscos”.
De lá para cá passamos a viver uma conjunção de fatores que nos conduzem ao metaverso. A evolução tecnológica como um todo, o lançamento dos smartphones, o aumento da velocidade da internet (4G e 5G), a explosão das mídias sociais combinada à uma infinidade de filtros, melhorias gráficas decorrentes da expansão dos games e a introdução da Realidade Aumentada (RA) e de devices de Realidade Virtual (RV).
“Aliás – continua a Associate Partner da Inova Consulting –, as mídias sociais foram o nosso aquecimento, nosso treinamento para o metaverso, porque é o lugar onde todos querem se mostrar mais bonitos, mais ricos, mais felizes, independente da realidade que estejamos vivendo no nosso dia a dia. Os filtros e recursos gráficos nos deixam mais bonitos. Mudamos a paisagem em que somos fotografados porque queremos ambientes ‘instagramáveis’. Enfim, tudo isso para passarmos a ser o objeto do desejo de outras pessoas. O metaverso é, definitivamente, onde esse tipo de desejo se transforma na realidade perceptual definitiva. Um universo muito mais abrangente do que existia até bem recentemente, adicionando inúmeras camadas que ampliam a experiência humana.”
Enquanto no plano físico a máxima é “Seja tudo o que você puder”, no metaverso é “Seja tudo o que você quiser, tudo o que você imaginar”. Essa pequena mudança semântica muda tudo na cabeça das pessoas, na capacidade que cada um tem de se ver nesse mundo. E o metaverso pode ser um ambiente mais adequado para acomodar essas aspirações. Importante destacar que a pandemia, que ainda estamos vivendo, tem sido nosso test-drive global para esse ambiente porque aumentamos consideravelmente nosso tempo conectados.
“À medida que passamos mais de nossas vidas on-line, fica cada vez mais difícil distinguir a vida ‘real’ da vida vivida digitalmente. Como disse o professor de antropologia da University College London, Daniel Miller: ‘O smartphone não é mais apenas um dispositivo que usamos. Tornou-se o lugar onde vivemos’”, completa Eliane.
Também falando em metaverso e tecnologia, Antonio Wrobleski, presidente do Conselho de Administração da Pathfind, lembra que, efetivamente, o metaverso explodiu nesses últimos tempos, em um passado muito recente – com a compra, pela Microsoft, da Blizzard, com um investimento de quase U$ 70 bilhões. A Blizzard é a maior rede de softwares de usuários de jogos no mundo, com cerca de 400 milhões de usuários, e a Microsoft, que tem 25 milhões de usuários, passa agregar esse universo monstruoso a ela.
De fato, como completa Arthur Igreja, TEDx speaker, metaverso é um ambiente digital, tridimensional, imersivo e colaborativo. É mais do que uma rede social, mais do que um jogo, mais do que uma experiência online planificada em 2D. É uma interação onde as pessoas convivem, jogam, compram. Com essas características se tem inúmeras possibilidades, existem os mundos onde as empresas vendem terrenos para que as marcas instalem lojas e fazem publicidade. É possível ter ambientes de cocriação, onde os jogadores ajudam a construir o próprio jogo, a narrativa e o entretenimento. É um mundo com menos amarras.
“O metaverso é uma nova realidade que chega para ficar e está impactando a forma como que as empresas têm pensado no futuro dos negócios. Esse mundo totalmente virtual, que replica o mundo físico de forma realista, com uma experiência imersiva e surpreendente, vai mudar a forma como nos relacionamos e como gerimos nossos negócios”, completa Lyana Bittencourt, CEO do Grupo Bittencourt.
Mudanças
“A questão já não é quais mudanças o metaverso trará aos negócios, e sim o que já está trazendo, mesmo que de maneira ainda descentralizada. Reuniões são realizadas on-line, assinaturas são feitas digitalmente, inspeções de imóveis são registradas com o uso de câmeras e monitoramento de cargas são feitos em tempo real. Agora imagine tudo isso integrado e sendo parte de um ambiente 3D em que sejamos capazes de ‘caminhar’ e que nos permita essas interações. Estamos falando de maior agilidade, abrangência e controle de processos, que trarão possibilidades de negócios mais rápidos e eficientes”, coloca Carneiro neto, da Dover.
Arthur Igreja também destaca que a principal mudança é que o metaverso é mais um canal, não é o extremismo de que “agora as pessoas só vão viver nesse ambiente”. As pessoas poderão escolher suas interações, sejam no metaverso, em aplicativos de texto, de voz, de vídeo, de jogos. Trata-se de mais um canal de comunicação, um ambiente de trabalho e diversão.
“Vai impactar os negócios nessa medida, pois as pessoas vão interagir entre si e com as empresas. Então, temos a criação e a venda de itens para serem usados no metaverso e também a ponte entre o metaverso e o nosso universo. O impacto nos negócios é importante. As pessoas podem fazer reuniões e estar se vendo, só que elas escolhem o ambiente, o que evita gastos com viagens – o metaverso amplifica a experiência de apenas estar com a câmera aberta. Teremos arquitetos, engenheiros e designers específicos para o metaverso, roupa do metaverso. É um novo mundo”, diz o TEDx speaker.
Wrobleski, da Pathfind, coloca que a mudança imposta pelo metaverso é a mesma que está acontecendo hoje, quando você faz negócio via teams, google meets ou coisa parecida, ou seja, você já consegue estar muito mais presente, mesmo estando distante, e falar ao mesmo tempo com quarenta ou cinquenta pessoas: essa é a grande mudança no meio dos negócios. “O metaverso, essa versão digital do mundo real, tem no mercado de games suas nascentes tanto tecnológicas quanto comerciais, que abrem um delta fértil para novas formas de consumo, de interação e de fazer negócios.”
Ainda segundo Eliane, da Inova, o G-Commerce, que é a transição do varejo para os games, trouxe a popularização de moedas digitais, como o Bitcoin e o Ethereum, e os NFTs (Non Fungible Tokens), um registro digital da posse de determinado bem, seja ele real ou virtual. Ou seja, pode representar imóveis, itens colecionáveis, uma medalha olímpica, um assento de um evento esportivo, ou até mesmo um post nas redes sociais. No metaverso, o NFT é responsável por registrar ativos digitais únicos. No universo digital, o NFT pode representar personagens do jogo, terrenos, poderes mágicos, móveis, outdoors, e tudo que for exclusivo.
Permite que os usuários e empresas criem e negociem livremente itens nos mercados de NFT, ou seja, confere ao metaverso uma nova dimensão, interligando o mundo real com o virtual. Esses ativos digitais globais permitiriam de maneira rápida e fácil a troca de mercadorias em escala global e reduziriam a fricção causada por intermediários como bancos, operadoras de cartão de crédito e complexos sistemas de pagamento. Como os gamers, os jogadores fazem compras nesses ambientes virtuais. Aqui a ideia de posse é diferente. A posse virtual é um fenômeno, e tem no NTF a sua extensão máxima. Ou seja, essa posse representa investir dinheiro em experiências cada vez mais imersivas, isoladamente ou com outros jogadores e em “objetos” virtuais, que só existem e são legítimos digitalmente.
Eliane lembra que praticamente tudo que fazemos no mundo físico faremos no metaverso, usando um device de visão, que pode dar maior qualidade imersiva. “Estamos replicando nossas rotinas, interesses e obsessões em mundos digitais. Desde escolher roupas para nossos avatares usarem e carros para eles dirigirem até promover relacionamentos virtuais e intimidade; de zonear terrenos digitais e construir casas virtuais até sediar reuniões holográficas para buscar o fascínio de uma sociedade mais justa e inclusiva a encontrar amigos no shopping virtual. À medida que nossos hábitos evoluem, estamos superando os limites da internet como ela foi criada – precipitando uma nova era de plataformas digitais. Assim, há uma correlação entre objetos colecionáveis no ambiente digital que poderão, sim, tornar-se reais a partir da sua adoção intensa no metaverso.”
Segundo projeções da Bloomberg, o metaverso deve movimentar US$ 800 bilhões até 2024. Entre os motivos, destacam-se: Não se limitar apenas a jogos, pois o comércio de bens e serviços ganhará espaço no mercado de NFTs; a venda de terrenos virtuais será cada vez mais frequente; empresas vão usar cada vez mais a tecnologia para despertar a identificação no público-alvo e trazer um senso de pertencimento. “Teremos cada vez mais marcas investindo no metaverso por um motivo simples: nunca foi tão barato produzir um objeto de desejo e ostentação”, diz a associate partner da Inova Consulting.
Nos últimos meses, o mercado de NFT, os ativos digitais únicos, cresceu de forma exponencial. A integração dos NFTs ao metaverso deu início à transformação de nossas interações nos mundos virtuais, com impacto em parte do mundo real.
Um bom exemplo é o mercado de luxo. A Gucci tem buscado alcançar novos consumidores no metaverso, no game Roblox. A estratégia utilizada é vender NFTs para avatares da edição limitada “Gucci Collection” dentro do game, que inclui bolsas, óculos e chapéus. Para se ter uma ideia, uma dessas bolsas da Gucci foi vendida por US$ 4,115.
De fato, Carlos Cesar Meireles Vieira Filho, conselheiro do Frotas & Fretes Verdes e da Aspen, lembra que o metaverso pode ser entendido como sendo um próximo paradigma tecnocomputacional da humanidade, onde poder-se-á experimentar, previamente, o que ocorrerá no mundo real. “Hoje já há experimentos onde marcas líderes e de renome projetam, ‘constroem’ modelos e comercializam seus produtos no mundo do universo meta. Isso trará uma dinâmica bastante diversificada do como é que realizamos negócios hoje.”
Lyana, do Grupo Bittencourt, também ressalta que o metaverso muda tudo, não só no varejo, como nos negócios em geral. “Passa a existir um mundo tridimensional. Em que não teremos apenas um universo binário de físico e virtual, mas algo que faz a intersecção entre os dois mundos, o metaverso. A terceira dimensão, o terceiro lugar que passaremos a ocupar. E com isso, também um terceiro canal de vendas. Com essas interações multidimensionais as oportunidades passam a ser quase que infinitas.”
Cornacchione, da FIPECAFI, também coloca as mudanças trazidas pelo metaverso no presente. “Vejo que são mudanças associadas a cinco vetores mais relevantes: (a) mercado, (b) meios de pagamento, (c) experiência das partes, (d) registro de transações e (e) logística.”
Da mesma forma que testemunhamos a transição para o comércio eletrônico, o metaverso avança os limites e configura um novo conceito de mercado (ou marketplace). Antigamente, comprávamos flores de forma direta e física (indo a uma floricultura). Passamos a comprar por telefone, por meio eletrônico, e testemunhamos o conceito de consolidador, network business e marketplace, gerando uma ruptura brutal no segmento com maior eficiência, bem como desafios e oportunidades aos participantes do segmento. Este mesmo raciocínio pode ser desenvolvido nos mais diversos segmentos de mercado. O metaverso promove outro nível de ruptura ao permitir a construção de novos modelos de mercado neste mundo virtual, com bens e serviços virtuais ou reais. Ao potencializar a realidade virtual e, mais relevante, a realidade aumentada, a experiência do consumidor e sua jornada passam a alcançar outras dimensões de eficiência nos aspectos emocionais e racionais da transação.
Os meios de pagamento representam outro vetor importante dos impactos do metaverso, ainda segundo Cornacchione. Nos últimos anos, assistimos ao avanço das criptomoedas e tokens, chamando a atenção de reguladores, ao passo que o volume de usuários cresce a taxas altíssimas.
“Neste aspecto, destaco cinco características de meios de pagamento no metaverso: instantâneo, seguro para as partes, rastreabilidade, taxas de transação flutuantes e integração objetiva com contratos inteligentes (smart contracts), incluindo planos de pagamentos.”
É inegável o avanço que o metaverso traz no quesito da experiência dos agentes e das partes envolvidas em uma transação, permitindo expandir fronteiras atuais da economia digital. A qualidade da imersão audiovisual (e tátil, em breve) traz novos horizontes para encantar os agentes, ou mesmo viabilizar interações e transações. Espaço a ser ocupado em segmentos ou modelos ainda não plenamente viáveis nos padrões regulares dos negócios digitais, seja na cadeia do agronegócio, do comércio, de serviços, ou financeira. Exemplos diretos são o segmento imobiliário, de transportes, saúde, educação, alimentação e vestuário – em que os desafios de espaço, tamanhos e medidas, bem como de personalizações, têm um ótimo futuro à frente.
As transações aproveitam soluções de infraestrutura tecnológica mais estáveis e atuais, notadamente apoiadas em blockchain, passando a ter processo mais seguro, veloz, com independência de controle (ou controle descentralizado) e registro, integração objetiva com contratos (inteligentes), bem como meios de pagamento mais seguros e universais. As carteiras de criptomoedas, a infraestrutura de blockchain (por exemplo, Ethereum) e os NFT (non-fungible tokens) oferecem maiores garantias e rastreabilidade, por meio de registros criptografados em cadeias, às transações.
Especificamente sobre logística, ao desenvolver os conceitos anteriores (mercado, experiência dos agentes, meios de pagamento e transações) o impacto em logística não é apenas direto, mas imediato. “Basta recordarmos os efeitos das transições exemplificadas com o caso das flores, descrito anteriormente. A logística do modelo de loja física para um modelo de pedidos a distância, por comércio eletrônico, consolidação do setor, business network e marketplace, em todos os casos representam impactos fundamentais nas cadeias logísticas, operadores, otimização e trade-offs logísticos. Pudemos testemunhar o enorme redesenho do segmento de logística, em busca de tal eficiência, e o fortalecimento econômico destas operações. Com a expansão destas variáveis no metaverso, o segmento de logística está sendo convidado a se reorganizar de forma rápida, buscando maior eficiência, construindo novos modelos e decidindo pelos melhores trade-offs”, diz o presidente da FIPECAFI.
Impactos na logística
Ou seja, os impactos do metaverso na logística são muitos, mas alguns são mais significativos e próximos. “Sugiro segmentar os impactos no meio virtual e os impactos no ambiente real”, afirma Cornacchione.
No meio virtual e/ou aumentado, a logística será influenciada por muitos fatores que já estão impactando (e irão impactar) outros segmentos. Esse é o caso de capacitação de pessoas, modelagem de sistemas integrada e o próprio novo ambiente de trabalho remoto imersivo. Tudo isso com as possibilidades já mencionadas inerentes ao metaverso.
No ambiente real, naturalmente, a expansão dos negócios, e decorrente do aumento do número de transações (maiores volumes), ampliação da personalização de serviços e produtos, o novo conceito de cadeia produtiva, bem como os novos processos produtivos, exigem uma nova logística, capaz de ser mais imersiva, antecipatória, ágil, automatizada, mais eficiente nas dimensões da engenharia e dos custos, além da eficiência de seu modelo econômico, incluindo aspectos de contratos inteligentes e precificação baseada em agentes.
“O processo logístico é uma atividade física de levar um bem de um lugar ao outro, que até o momento ainda requer os modelos convencionais de transporte, mas engana-se quem acha que o metaverso não pode apoiar também nesta área. Como exemplos de aplicação logística temos o monitoramento de cargas com possibilidade de identificação de gargalos, antecipar impactos futuros e filas, além de poder testar novos projetos logísticos utilizando toda a base de dados disponível para já o lançar com a melhor configuração possível”, completa Carneiro Neto, da Dover.
Wrobleski, da Pathfind, se dá ao direito até de sonhar um pouco quando fala dos impactos do metaverso na logística. “Por exemplo, hoje os grandes usuários de celulares são os motoristas, e eles procuram buscar carga, procuram interagir com o embarcador, mas via celular. Podemos imaginar que um pouco mais avançado, que ela venha a fazer isso via metaverso com quem está disponibilizando a carga, acessar isso, e passar a fazer carga com isso, isso é uma aplicação primária que eu vejo. A outra é você poder navegar para dentro de um armazém e ali tocar e ver a disposição de seus produtos ou o despacho de seus produtos ou coisa parecida.”
Para Arthur Igreja, os impactos do metaverso envolvem menos viagens de negócios, mais itens digitais comercializados como NFT, itens que deixam de ser fabricados e transportados, mas que existem. Ao mesmo tempo, quando se aumenta o impacto de interatividade, imersão e conveniência, o consumidor pode fazer uma compra, e a expectativa é que como ele já viu esse item no metaverso, é que ele chegue muito rápido, e isso tem um impacto logístico.
Na visão de Eliane, da Inova Consulting, como muitas marcas descobriram o potencial de consumo dentro desse universo, passaram a utilizar esse segmento para abrir novos canais de contato com o consumidor. Com 2,5 bilhões de jogadores, em diferentes plataformas, as possibilidades são infinitas. As famosas lojas temáticas ou flagships podem ser criadas às dezenas no digital, testando o que funciona ou não junto aos consumidores. A estratégia agora é lançar no metaverso e os produtos que fizerem sucesso são lançados no mundo físico.
Cerca de 84% dos consumidores mundiais preferem lojas que transacionem nos modos on e off-line, implicando em demandas logísticas importantes para as entregas físicas.
Esse tipo de compra envolve um nível bastante grande de complexidade devido à singularidade de cada pedido. São rotas independentes, sem a possibilidade de encher um caminhão só com um pedido ou utilizar os Centros de Distribuição. “Entendo que uma variedade de pequenos distribuidores fará as rotas urbanas até as casas dos consumidores. Além de tecnologias de geolocalização, a telemetria será fundamental para otimizar as rotas das entregas, para monitoramento da compra, em tempo real dentro do metaverso, pelo próprio comprador. Também será necessário investir em plataformas eficientes de gestão, comunicação e ERP´s, além da adequação de novos Indicadores de performance em decorrência do novo cenário”, completa a Associate Partner da Inova Consulting.
A análise de Lyana, do Grupo Bittencourt, segue por caminhos parecidos, considerando que o metaverso pode ser utilizado para diversas frentes, incluindo a logística. Ele replica, no universo virtual, o mundo real, e pode servir como um universo de estudo dos processos, para a simulação de diferentes situações como rotas, processos de abastecimento, entregas e devoluções, enfim um gerenciamento completo, com um olhar de fora, podendo, assim, pensar na otimização e na redução de custos nas operações logísticas.
“Considerando que vivemos essa tecnologia nas suas primeiras versões, mesmo aqueles que têm, de alguma forma, modelos mais avançados, ainda têm um vasto campo a ser desenvolvido e importantes descobertas a serem feitas. Vejo no metaverso um ambiente fértil de ensaios para a logística, onde já se utiliza a RV e a RA para diagramar, realizar layouts e projetos de armazéns, Centros de Distribuição, acesso viários, veículos de transporte de toda ordem, sistemas de controle e de leitura de inventários e por aí segue. Com a indústria de impressão 3D podemos vislumbrar no metaverso possibilidades ainda mais estendidas”, completa Cesar Meireles, do Frotas & Fretes Verdes.
Nova logística?
Os impactos do metaverso na logística já foram apontados. Mas, o que ele muda, efetivamente, na forma de fazer logística: ações, novos equipamentos, etc.?
“Evidente que o metaverso também aproxima o mundo da criptomoeda, acho que vai ser um facilitador, um ponto, onde ele pode, voltando ao exemplo do motorista, fazer toda a parte do frete dele, recebimento, pedágio, utilizando criptomoeda”, diz Wrobleski, da Pathfind.
Efetivamente, diz, agora, Arthur Igreja, o metaverso acelera um processo que já vem ocorrendo de uma logística distribuída, uma pressão maior no last mile delivery. “Agora poderemos ter um click and collect, onde o consumidor entrou na loja no metaverso e dez minutos depois ele já pode retirar o item. Essa é uma mudança grande no consumo, a economia dos itens digitalizados crescendo. Teremos que acompanhar o impacto no mundo físico.”
Carneiro Neto, da Dover, também coloca que estamos falando de cargas com controle de posicionamento (GPS) para rastreio, sistemas de leitura dinâmica de radiofrequência para verificação de conteúdo e sensores de impacto que transmitem a forma de transporte da embalagem – “em outras palavras, estamos falando de sistemas interativos que tonarão até a embalagem ligada ao metaverso”.
Segundo Cornacchione, da FIPECAFI, inicialmente, o metaverso muda o mindset, o quadro de referência para o mapeamento das informações ligadas aos mercados e agentes atendidos, bem como o desenvolvimento de soluções para atender às necessidades de movimentação física (recursos ou bens) ou virtual (recursos, bens ou serviços).
Além disso, muda a coleção de recursos – físicos, virtuais e suas integrações – para a logística. A experiência acumulada até o momento será fundamental para apoiar a nova forma de fazer logística, porém é fundamental o preparo e a capacitação dos diversos perfis envolvidos na concepção e validação das soluções no sentido de acolhimento das novas potencialidades. “À luz dos cinco vetores mencionados anteriormente, destaca-se a mudança de forma de fazer logística pelo novo modelo de cadeia produtiva descentralizada e virtualizada – com novos requisitos logísticos e de planejamento de recursos –, o ambiente imersivo do metaverso, os novos mercados, bem como a configuração das transações e respectiva lógica econômica.”
Já como diz Cesar Meireles, da Frotas & Fretes, a logística realiza-se através da movimentação e transporte de matéria física, em última análise. Isso continuará demandando veículos, armazéns, empilhadeiras, paletes, contêineres e pessoas para processar e mover todo esse ecossistema.
“Veremos, a partir das transformações tecnológicas e dos novos modelos industriais, o deslocamento para mais perto do consumo as formulações de matéria prima para a produção das mercadorias e os produtos acabados. Mesmo na industrialização 3D iremos movimentar, armazenar, transportar insumos e matérias primas para alimentar os muitos modelos e tipos de maquinários para impressão 3D. Certamente veremos novos sistemas, padrões, modelos, equipamentos e outros recursos para atender à essa nova ordem de coisas.”
Benefícios
Lyana, do Grupo Bittencourt, por sua vez, coloca que tudo o que envolve uma operação logística, envolve um alto custo para as empresas. Errar nesse processo impacta de forma brutal o resultado das companhias.
Então, uma das principais vantagens é a possibilidade de testar antes de implantar. Um mundo virtual que permite colocar à prova, antes de investir no mundo físico, o redimensionamento, por exemplo, de Centros de Distribuição. Além disso, já estão acontecendo no mundo real as interações das marcas com os consumidores. Algo comprado no metaverso pode ser entregue no mundo real onde o cliente desejar. “Então passamos agora a ter que equalizar no processo logístico – incluindo a acuracidade dos estoques – essa terceira dimensão.”
Também falando sobre os benefícios que o metaverso acarreta à logística, Arthur Igreja, aponta uma série deles: treinar as equipes, interação com colaboradores e clientes no metaverso, canais mistos de vendas. “Como benefícios podemos destacar a redução de custos logísticos por melhor gestão das rotas e suas restrições, redução dos danos às embalagens, diminuições dos casos de extravio e condição de gestão da cadeia de suprimentos como um todo através de dados dos históricos de cargas”, completa Carneiro Neto, da Dover.
Eliane, da Inova Consulting, ressalta que, embora RA (Realidade Aumentada) e RV (Realidade Virtual) não sejam tecnologias associadas aos setores de transporte e logística, elas podem melhorar significativamente o desempenho dos trabalhadores do armazém e a eficiência da cadeia de suprimentos. “De fato, a parcela de líderes da cadeia de suprimentos que planeja investir em AR ou VR aumentou de 25% em 2020 para 34% em 2021.”
Muitas empresas têm usado essa tecnologia para gestão e treinamento de seus colaboradores. A DHL treinou seus funcionários para usar RA para tornar o processo de separação menos propenso a erros. Há a possibilidade para aumentar a eficiência de algo básico, como encaixar itens no carrinho para descobrir a melhor rota de entrega.
Outra área que pode se beneficiar imensamente da aplicação da RV é o desempenho dos funcionários e a visão geral do treinamento. Existem vários níveis em que isso pode funcionar. Em primeiro lugar, em vez de métodos convencionais, um ambiente virtual imersivo pode ser útil para treinar funcionários sobre, por exemplo, a dinâmica das operações do armazém e da cadeia de suprimentos. Isso não apenas empregará a estratégia de fazer e aprender, mas também reduzirá muito o risco de tentativa e erro, enquanto os treina na tomada de decisões em tempo real em situações de alto risco.
Em segundo lugar, um cliente, gerente ou treinador, sentado em São Paulo, pode abordar/revisar/treinar os funcionários de uma empresa de armazenagem/logística com sede em Fortaleza, CE, sem ter de pegar um avião para estar lá fisicamente. Haverá, ainda, uma grande redução de custo e tempo – deslocamento, hospedagem, ferramentas.
A logística de armazenagem, no âmbito da cadeia de suprimentos, abrange as atividades do armazém que podem ser bastante exaustivas, levando à fadiga dos trabalhadores e, consequentemente, a lesões graves ou até mesmo fatais. Há também perdas monetárias devido à fadiga do trabalhador como resultado da menor produtividade e perda de horas de trabalho. “Um capacete alimentado por RA pode ajudar os trabalhadores a acompanhar o número de casas em que trabalharam e quando é hora de fazer uma pausa. Com trabalho de desenvolvimento adicional, a gestão da empresa pode criar um índice de fadiga para cada trabalhador que pode ser usado para otimizar os horários e turnos”, explica a Associate Partner da Inova Consulting.
Os armazéns de atendimento de pedidos, como os de grandes varejistas, podem ser enormes, dificultando a navegação dos funcionários. Todo o tempo gasto procurando os suprimentos e pedidos certos pode causar perda significativa de tempo e atrasos no envio. Um dos desenvolvimentos mais recentes em expedição é o uso de capacetes com RA que guiarão os trabalhadores pelo armazém e os manterão atualizados sobre a lista de itens que eles precisam despachar. Além de todos esses benefícios, a RA pode permitir que as empresas eliminem processos de treinamento demorados, pois a tecnologia orientará os novos funcionários passo a passo e em todas as etapas do processo.
Grandes empresas estão sempre procurando maneiras novas e eficientes de agilizar os processos com o mínimo de intervenção humana possível. Isso está se tornando uma necessidade, pois é impossível ter gerentes humanos supervisionando todo o trabalho envolvido na correção de todos os vários erros, atrasos e outras irregularidades. É por isso que muitas empresas criam um armazém de realidade virtual onde podem modelar as mudanças propostas e fazer melhorias, se necessário. Quando sua supervisão é necessária, os gerentes também podem usar tecnologias de armazém de RV para observar o processo em tempo real em muitos outros locais, sem precisar estar fisicamente lá.
“Quando pensamos no processo de entrega de carga, primeiro, toda a carga precisa ser carregada em um veículo, depois precisa ser entregue de um local para outro e depois descarregada em seu novo destino. Quaisquer ineficiências nesses processos podem causar atrasos significativos e levar à perda de tempo e recursos. As operações do armazém de RA podem melhorar significativamente todos esses processos, rastreando todas as localizações dos motoristas e fornecendo a eles informações em tempo real sobre a melhor rota a seguir, o peso da carga e muitas outras informações úteis para tornar o processo mais eficiente”, prossegue Eliane.
A última etapa dos processos logísticos e da cadeia de suprimentos é a entrega da mercadoria ao cliente. No entanto, mesmo nesta última fase, existem muitas armadilhas que podem causar atrasos. Por exemplo, quando o motorista está carregando o caminhão com todos os pacotes que precisam ser entregues, ele precisa empilhar tudo para permitir que a quantidade máxima de caixas caiba. Isso permite uma melhor utilização dos recursos humanos e do tempo de entrega. As empresas podem criar soluções personalizadas de realidade virtual para permitir que o motorista veja a melhor maneira de carregar o caminhão para garantir que tudo se encaixe e a carga seja distribuída uniformemente. O motorista também pode usar óculos RA para orientá-lo na melhor rota de entrega para evitar o trânsito e também acompanhar as condições de segurança.
Existem vários outros benefícios que podem derivar da aplicação da RV e RA nas operações, completa a Associate Partner da Inova Consulting. “No entanto, deve-se notar que, como todas as organizações têm seu próprio modelo de execução, esses recursos devem ser conduzidos tendo em mente o seu plano estratégico. Uma adoção lenta e constante de uma nova tecnologia será, na maioria dos casos, melhor do que um lançamento rápido.”
Para Cornacchione, da FIPECAFI, após tamanha transformação do cenário deste setor, dificilmente é possível voltar a pensar ou refletir sobre o tema com as visões ou hipóteses anteriores. A transformação marca e leva os agentes a outro nível. Esse talvez seja o maior benefício em termos do segmento logístico.
‘Não são raros, por sinal, os eventos marcantes e transformadores no setor, o que significa que há capacidade crítica e operacional para promover os ajustes necessários e avançar na nova direção. Destacaria três benefícios essenciais catalisados por tal transformação: (a) modelos de sistemas logísticos imersivos (incluindo Realidade Virtual e Aumentada), (b) fortalecimento do setor com nova carga de treinamentos e capacitação dos talentos, e (c) avanços em modelos econômicos (trade-offs logísticos), envolvendo contratos inteligentes e precificação dinâmica baseada em agentes”, completa o presidente da FIPECAFI.
Quem são os participantes desta matéria especial:
Antonio Wrobleski – Engenheiro, com MBA na NYU (New York University). Presidente do Conselho de Administração da Pathfind. Também faz parte do Conselho da BBM Logística e é sócio da Awro Logística e Participações.
Arthur Igreja – TEDx speaker. Especialista em Tecnologia, Inovação e Tendências. Masters em International Business pela Georgetown University (EUA), Masters of Business Administration pela ESADE (Espanha) e Mestrado Executivo em Gestão Empresarial pela FGV. Pós-MBA e MBA pela FGV. Autor do livro “Conveniência é o Nome do Negócio”. Professor da FGV com certificações executivas em Harvard e Cambridge.
Carlos Cesar Meireles Vieira Filho – Mestre em administração de empresas pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Certificado como conselheiro pela FDC (Fundação Dom Cabral), e MBA pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) em Economia e Gestão: Relações Governamentais. É cofundador da ABOL (Associação Brasileira de Operadores Logísticos), tendo sido seu CEO até o dia 31/05/2021, e membro do Conselho Nacional, do Norte, Nordeste e do Centro-Oeste Export, sendo o presidente do Conselho Internacional do Brasil Export. É conselheiro do Frotas & Fretes Verdes e da Aspen (Assembleia Permanente pela Eficiência Nacional) do IBesc (Instituto Besc de Humanidades e Economia) e diretor do Deinfra (Departamento de Infraestrutura) da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), sendo ainda vice-presidente da ALALOG (Associação Latinoamericana de Logística). É colunista do BE News e da Logweb e sócio-diretor da Talentlog – Consultoria e Planejamento Empresarial, além de parceiro da Connect Finanças Corporativas.
Edgard Cornacchione – Professor Titular da FEA/USP, doutor em Controladoria e Contabilidade pela USP e doutor em Human Resource Development pela University of Illinois at Urbana-Champaign (EUA). Pesquisa e atua com tecnologia nos negócios, como consultor de organizações, palestrante e autor de livros técnicos e artigos científicos na área. Presidente da FIPECAFI.
Eliane El Badouy Cecchettini – Badu – Possui Graduação em Publicidade e Propaganda pela PUC-Campinas, Pós-Graduação em Marketing pela ESPM e MBA em Economia Comportamental pela ESPM. É publicitária premiada, vencedora de duas categorias do prêmio de Mídia Estadão – Pesquisa de Mídia e Gran Prix – e Profissionais do Ano da Rede Globo. Coautora dos livros “Inovação e Métodos de Ensino para Nativos Digitais” e “Inovação em Sala de Aula” e colunista da Revista Eletrônica BREAK do grupo EPTV, afiliada Rede Globo, e da coluna “Ponto de Contato” do Blog da Inova Business School. É Associate Partner da Inova Consulting para Futuro, Tendências & Consumer Insights, além de pesquisadora do comportamento, mecanismos de atenção e do consumo de mídia contemporâneos. A Inova é um ecossistema global, criador do conceito de gestão TrendsInnovation.
Lyana Bittencourt – CEO do Grupo Bittencourt, consultoria especializada em desenvolvimento, expansão e gestão de redes de franquias e negócios.
Stelmo Carneiro Neto – Head of Operations da Dover Fueling Solution, parte da Dover Corporation, multinacional americana, e composta pelas marcas de produtos ClearView, Fairbanks, OPW Fuel Management Systems, ProGauge, Tokheim e Wayne Fueling Systems, fornecendo equipamentos de distribuição de combustível, sistemas eletrônicos e pagamentos, medição automática de tanques e soluções para gerenciamento de estoque.