Novos regulamentos abrem caminho para os biocombustíveis no setor naval

Federico Sakson
Engenheiro químico formado pela Universidad Nacional de La Plata, na Argentina, e pós-graduado em Gestão de Projetos pelo PMI (Project Management Institute). Atuou durante mais de sete anos em laboratórios de tecnologia e refinamento. Há três anos entrou para o time de gerentes de negócios da Camlin Fine Sciences na Argentina, sendo responsável por toda a área de antioxidantes para biodiesel.

A Organização Marítima Internacional (IMO) trabalha desde a década de 1960 para reduzir os impactos nocivos do transporte marítimo no meio ambiente. Mais de 80% de todos os produtos são transportados através de rotas marítimas internacionais. O setor consome mais de 330 toneladas de combustível por ano e responde por 2-3% do CO2 global, 4-9% de SOX e 10-15% das emissões de NOX.
O limite global atual para o teor de enxofre do óleo combustível de navios é de 3,50% (w/w). O novo limite global será de 0,50% (w/w), aplicável a partir de 1° de janeiro de 2020.
Este setor inclui mais de 85 mil embarcações registradas, divididas em pequenos, médios, grandes e gigantes navios oceânicos. Os dois últimos representam 20% dos navios, mas 80% da arqueação bruta.
O setor de transporte usa tipos de combustíveis muito menos refinados ou processados. O óleo combustível residual é o principal combustível utilizado pelos navios oceânicos de profundidade, e é caracterizado por viscosidade e nível de enxofre elevados. Os combustíveis mais refinados são o óleo diesel marítimo e o óleo gasoso marítimo, que têm níveis mais baixos de viscosidade e teor de enxofre. Estes últimos encontram-se principalmente em aplicações em águas costeiras e em embarcações de menor dimensão que operam em portos e vias navegáveis interiores. Essas regulamentações significam que cerca de 70% dos combustíveis atualmente utilizados pelo setor precisam ser modificados ou alterados.
Para resolver a questão da redução dos níveis de enxofre, podem ser utilizados combustíveis mais refinados. Isso não só adicionará um custo extra como aumentará as emissões de CO2 associadas ao combustível. Os combustíveis com baixo teor de enxofre, atualmente introduzidos, são rotulados como Óleo Combustível com Baixo Teor de Enxofre (VLSFO), tendo entre 0,1% e 0,5% de enxofre, e Óleo Combustível com Baixíssimo Teor de Enxofre (ULSFO), com valor inferior a 0,1%.
Outra solução para reduzir as emissões de enxofre é optar pelo Gás Natural Liquefeito (GNL) como combustível, mas isso requer uma reforma dos motores. Outros combustíveis, como o metanol, são usados em menor grau com a última geração de tecnologia de motores a diesel, mas ainda estão em estado prematuro de infraestrutura e suprimento.
Os biocombustíveis têm níveis muito baixos de enxofre e baixas emissões de CO2, como tal, são uma solução tecnicamente viável para combustíveis com baixo teor de enxofre que atendem aos requisitos VLSFO ou ULSFO. O desafio imediato é que o setor de navegação tem pouco conhecimento sobre manuseio e aplicação desses biocombustíveis. Outro desafio é que os volumes de biocombustíveis necessários para abastecer o setor são grandes. Um único navio de tamanho gigante pode consumir a produção anual de biocombustível para um navio de tamanho médio, cerca de 100 milhões de litros.
Outros combustíveis diesel que são usados, mas apenas em pequena quantidade, são: SVO (Óleo Vegetal Direto), DME (Éter Dimetílico), GTL (Gás-Líquido), BTL (Biomassa-Líquido), biodiesel, FAME (Éster Metílico de Ácido Graxo) e HVO/HEFA (Óleos Vegetais tratados com Hidrogênio/Ésteres e Ácidos Graxos Hidratados).
O custo dos biocombustíveis é superior ao custo dos combustíveis fósseis e espera-se que continue assim a curto e médio prazo. Mandatos específicos sobre biocombustíveis ou impostos sobre carbono tornarão os biocombustíveis economicamente mais competitivos.

Tabela 01

A tabela a seguir permite comparar o consumo de combustível nos setores marítimo e aéreo com a produção atual e potencial de biocombustível com base nas culturas atuais e insumos da agricultura e silvicultura existentes.

Tabela 02

O potencial e as matérias primas dos biocombustíveis mostram que, do ponto de vista estratégico, apenas os combustíveis lignocelulósicos podem substituir integralmente os combustíveis fósseis no setor marítimo. Isso não significa que os oleoquímicos não tenham um papel futuro no setor de transporte, mas têm um potencial menor. No entanto, além do biodiesel – derivado de gordura animal o óleo vegetal –, não existem outros combustíveis lignocelulósicos em escala comercial que sejam compatíveis com os motores diesel marítimos.
A mistura de combustíveis fósseis convencionais com os biocombustíveis é uma alternativa para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, introduzir novas misturas compatíveis no combustível. As misturas de combustíveis de baixo nível disponíveis no setor de transporte rodoviário incluem E10, B5 e B2. Na Europa, América do Norte e do Sul, as misturas de biodiesel de B7 a B20 estão disponíveis para o mercado automotivo.
No caso dos combustíveis navais, os mandatos de mistura de combustível renovável ainda não estão em vigor e as misturas de biodiesel ainda não estão disponíveis no mercado, embora a produção e a distribuição estejam acessíveis através de contratos estabelecidos. Testes realizados em navios oceânicos mostraram que os biocombustíveis podem ser efetivamente misturados com combustível regular, sem efeitos drásticos sobre o motor.

Forças
• As matérias primas são extremamente baixas em teor de enxofre;
• As matérias primas lignocelulósicas de segunda geração são abundantes;
• Os combustíveis marítimos são de qualidade inferior e não necessitam de atualização e refinação intensivas;
• Os combustíveis drop-in (mistura direta) não exigem grandes mudanças na infraestrutura de abastecimento.

Fraquezas
• Os biocombustíveis marítimos não são competitivos em termos de custo com combustíveis fósseis;
• Falta de dados de testes de combustível a longo prazo para biocombustíveis marítimos;
• Estabilidade do armazenamento e da oxidação do combustível;
• A produção comercial de altos volumes de biocombustíveis necessários para navios de transporte ainda não está estabelecida.

Oportunidades
• Regulamentos sobre combustíveis e emissões de Bunker Fuel Oil (BFO), um tipo de combustível marítimo, tornaram-se mais rigorosos;
• A introdução de novos combustíveis alternativos na mistura de combustíveis marítimos reduziria a dependência de combustíveis fósseis;
• Os biocombustíveis marítimos drop-in mostram um forte potencial para substituir parte do mix de combustíveis;
• Novas tecnologias de motores podem abrir um mercado marítimo para o bioetanol.

Ameaças
• As operações com combustíveis derivados de petróleo padrão são bem compreendidas. A mudança para biocombustíveis envolve um esforço entre fabricantes de motores, fornecedores de combustíveis, proprietários e operadores de navios;
• O GNL está lentamente ganhando popularidade como combustível alternativo;
• Os operadores de navios teriam de se adaptar a novos combustíveis no mix de combustíveis;
• Baixo preço do petróleo atrasou o desenvolvimento de biocombustíveis.
Os dados foram retirados do Biofuels for the marine shipping – University of Copenhagen 2017.