Pandemia trouxe mudanças significativas no transporte marítimo nacional e internacional, e lançou novos desafios

Hoje, pode-se afirmar, de um modo geral, que o setor é um berço de tecnologia e inovação com processos modernos e totalmente automatizados, que reduzem a burocracia e aprimoram o monitoramento e a segurança da movimentação de cargas.

A pandemia do coronavírus afetou a cadeia de logística internacional, com reflexos no transporte marítimo. Embora as operações não tenham sido paralisadas no país, houve aumento do valor do frete e escassez de contêineres, e é importante compreender as razões que levaram a esse desequilíbrio entre oferta e demanda de capacidade.

O crescimento do consumo durante a pandemia foi muito superior ao esperado em diversos setores da economia, e muitos portos sofreram com os efeitos da pandemia, principalmente nos portos na China. 

“Apesar dos desafios, os terminais brasileiros operaram com nível muito alto de eficiência. Na DP World, em 2020 tivemos uma queda nos volumes das cargas de importação de contêineres, enquanto o volume de carga de exportação aumentou. Em 2021, a média mensal de 79 mil TEUs ficou 13% acima de 2020. A operação do terminal da celulose consolidou-se em 2021, primeiro ano com operação nos 12 meses. Isso fez com que os volumes tivessem um aumento significativo em relação ao ano anterior devido aos maiores volumes operados, além da maior cotação do dólar em relação ao real. Já em 2022, com a retomada da economia e o fim das principais restrições, atingimos a marca de mais de 1 milhão de TEUs movimentados (15% a mais em comparação com 2021) e 3,7 milhões de toneladas de celulose embarcadas (15% a mais em comparação com 2021)”, comenta Márcio Medina, diretor comercial da DP World.

E ele continua: “Globalmente, observamos filas de atracação em alguns portos, como o que ocorreu no porto de Los Angeles, acompanhada de acúmulo de cargas nos pátios, atrasos nas operações de descargas e embarques. A situação fez com que a programação dos navios mudasse e estes chegassem atrasados em Santos, o que comprometeu toda a cadeia de suprimentos. Também é preciso mencionar que, em meio à pandemia, houve a obstrução do Canal de Suez por diversos dias, desarranjando o fluxo de mercadorias”. 

Felipe Gurgel, diretor Comercial da Log-In Logística Intermodal, também ressalta que, durante a pandemia, o transporte marítimo nacional precisou se adaptar a todas as restrições impostas para o controle da Covid-19, passando por mudanças tanto operacionais, no controle de atracações e troca de tripulações dos navios, bem como na organização do trabalho administrativo e comercial das empresas. Todas essas adaptações geraram mudanças de rotinas e processos importantes que, consequentemente, trouxeram aumentos sensíveis de custos para as empresas, de forma geral.

“Neste sentido, o principal desafio era manter o nível de serviço, a produtividade e, principalmente, a saúde e a conexão com nossos colaboradores. Comercialmente, o maior desafio foi manter o relacionamento próximo com os clientes, mesmo à distância. Isso exigiu avanços tecnológicos importantes e de rápida implantação.”

Além disso – continua Gurgel –, houve uma mudança no comportamento de consumo e modo de compra dos brasileiros, fazendo com que toda cadeia logística se adaptasse à nova realidade. “Desta forma, como a navegação possui uma frequência regular e com a possibilidade de proporcionar um melhor planejamento operacional para a indústria, conseguimos crescer com sustentabilidade. Apesar de todas as dificuldades, o transporte marítimo nacional não foi interrompido em nenhum momento durante a pandemia. Manteve-se a regularidade e o atendimento a todos os mercados no Brasil, garantido a distribuição de produtos de primeira necessidade e medicamentos em um momento tão crítico da economia brasileira e mundial.”

Na visão regional, ele diz que a empresa atua no Trade do Mercosul, realizando transporte marítimo entre Brasil, Argentina e Paraguai, e puderam destacar, primeiramente, a importância de empresas de logística com atuação dedicada a estes mercados. “Os clientes passaram a entender o compromisso que existe na garantia da logística por empresas locais e focadas na região, o que tem gerado maior fidelidade e acordos de longo prazo.”

Ainda na visão logística, foi preciso inovar com ferramentas de acesso online, comunicação mais customizada e pacotes de serviços mais diversos e completos, indo além do “porto a porto” e passando a ter uma logística mais integrada no “porta a porta” ou, até mesmo, nos serviços de 3PL. Do ponto de vista documental, alguns países conseguiram evoluir na eliminação da transação de papéis, priorizando o digital.

Já Fabiano Lorenzi, diretor Comercial da Norsul, destaca que a pandemia elevou a demanda por transporte, sendo o marítimo – principalmente contêiner – um dos mais afetados. Inicialmente, houve um cenário de falta de disponibilidade de ativos no mundo e, com isto, aumento do hire (“uma expressão do mercado que se refere a um valor pela contratação, uma taxa”) dos navios, o que contribuiu para elevar o patamar de fretes praticados na cabotagem, uma vez que os custos são balizados pelos indicadores internacionais.   

Com o cenário de indisponibilidade de ativos, dentre eles os contêineres, percebeu-se também um interesse dos embarcadores em migrar as cargas anteriormente conteinerizadas para a cabotagem bulk/break bulk, numa tentativa de garantir previsibilidade de preço e garantia de entrega, argumenta Lorenzi, acrescentando que o cenário mundial também foi afetado por este aumento de demanda e alta de custos, principalmente devido à falta de disponibilidade de ativos – então, os impactos foram semelhantes.  

“No transporte marítimo e na atividade portuária em geral, assim como na cabotagem marítima e fluvial/lacustre, tecnicamente não houve mudanças significativas, pois exceto por uma breve paralização, tudo voltou rapidamente às suas origens. Algumas regras geraram certa celeridade a esse modal, mas nada que denotasse um diferencial”, completa, agora, Eduardo Mendes Galo, CCO (Chief Commercial Officer) da Rio Brasil Terminal.

Pós-pandemia

Logicamente, o transporte marítimo no pós-pandemia é bem diferente do de antes, tanto em nível nacional quanto internacional. Como lembra Medina, da DP World, a fim de mitigar os impactos da pandemia e garantir a produtividade, o transporte marítimo participou do ecossistema de inovação que já estava em curso no setor e que repaginou toda a cadeia. “Hoje, o setor é um berço de tecnologia e inovação com processos modernos e totalmente automatizados, que reduzem a burocracia e aprimoram o monitoramento e a segurança da movimentação de cargas. Um bom exemplo é a transformação digital para agilizar operações portuárias, principalmente em Santos.”  

Em âmbito global, continua o diretor comercial da DP World, o transporte marítimo ainda enfrenta a persistência dos gargalos na logística. “Como consequência, vemos armadores buscando aumentar a vida útil das embarcações e transportadores e produtores procurando utilizar rotas alternativas e opções de transporte – como o ferroviário. Também temos impactos diretos da guerra na Ucrânia e das sanções impostas à Rússia, que também têm prejudicado a movimentação de contêineres. Será mais um desafio para o qual os grandes players do transporte de cargas e companhias do setor já devem estar preparados.”

Gurgel, da Log-In, ressalta que o processo de transporte no Brasil ficou mais rápido e desburocratizado, absorvendo de forma irreversível algumas mudanças implementadas na pandemia. Na parte de segurança, algumas normas implementadas no período de pandemia se mantiveram.

“Em relação ao mercado, observamos que o pós-pandemia está se caracterizando pelo aumento na demanda por capacidade no transporte marítimo nacional (cabotagem) com a transferência de novos clientes e produtos do modal rodoviário para o marítimo e multimodal. Este aumento na base de clientes também é explicado por uma tendência das empresas em atender às suas pautas de ESG (Environmental, Social and Governance), buscando, na cabotagem, um modal comprovadamente mais sustentável, devido às reduzidas emissões de CO2, que podem chegar a 80% a menos se comparado ao transporte rodoviário, em alguns trechos. Tivemos também um grande avanço tecnológico, uma vez que hoje podemos atender os nossos clientes com mais agilidade.”

Já o Mercosul, continua o diretor Comercial da Log-In, segue muito bem consolidado com crescimento de share de mercado e um nível de serviço muito reconhecido pelos clientes. Durante a pandemia, em razão de diversos fatores, como retenção de produção na China, devido às paralisações por conta do Covid-19, acidente com um navio no canal de Suez, retendo por meses grande número de embarcações naquela região, bem como a dificuldade na redistribuição de equipamentos (contêineres) no mundo, houve um aumento expressivo nos fretes internacionais, principalmente nas rotas mais importantes do mundo, como EUA, Europa e Ásia. Com isso, os grandes players redirecionaram seus navios e equipamentos para estes trades principais, deixando de atender com a mesma qualidade os trades do Mercosul.

“Enquanto isso, a Log-In, que é um armador regional, manteve a regularidade no atendimento ao serviço do Mercosul, assim como estabilidade nos níveis de frete. Foi uma oportunidade também de ampliar o atendimento do serviço feeder, que teve maior volume devido ao atraso e omissão de portos por embarcações de serviços internacionais, que deixavam seus contêineres para que os armadores regionais, como a Log-In, realizassem o transporte marítimo nos trechos complementares. No pós-pandemia, com a regularização da oferta de embarcações no mundo, assim como dos níveis de frete, gradualmente, estamos observando a volta ao mercado desses operadores não regionais”, diz Gurgel.

A pandemia tanto expôs fragilidades já existentes nas cadeias logísticas (o transporte marítimo incluso), quanto acelerou o aparecimento de novas condições adversas, que, ao longo dos últimos anos, vem se reequilibrando. “Diversos gargalos operacionais, como indisponibilidade de equipamentos, longas filas, omissões de atracação e outros. Este cenário despertou a atenção de operadores, armadores e transportadores para a necessidade de se organizarem com o intuito de melhorar os processos e se adequarem às mudanças impulsionadas pela pandemia, investindo recursos em infraestrutura, novos ativos, modernização e tecnologia para suas operações”, completa o diretor Comercial da Norsul.

Finalizando esta questão, Mendes, da Rio Brasil Terminal, diz que, no âmbito nacional, poucas mudanças significativas foram sentidas. “Houve recentemente o anúncio da entrada de um novo player, ainda sem muitos detalhes de sua estratégia, mas o impacto em competitividade é esperado, bom para o Brasil, para o setor e seus usuários.”

No âmbito internacional, o CCO da Rio Brasil Terminal entende como principais mudanças: foco na redução de emissão de carbono dos navios – a chamada descarbonização; alterações de fretes, mas que já retornaram ao patamar regular; investimento em equipamentos de primeira geração para navios e também terminais, com o intuito de tornar as operações mais ágeis; além de algumas regulamentações que foram colocadas em prática, como, por exemplo, a BR do Mar.

Novos desafios

Agora, o setor também enfrenta novos desafios. “Em resposta às interrupções de fornecimento e em antecipação a uma desaceleração na atividade comercial em 2023, as empresas estão focadas em aprimorar sua resiliência a longo prazo com o objetivo de evitar surpresas no futuro. Por meio de mudanças em suas operações comerciais, elas estão se esforçando para descobrir e aproveitar toda oportunidade de crescimento em um cenário de perspectivas pouco animadoras – a OMC projeta que o volume do comércio mundial de mercadorias será de um ponto percentual em 2023, em comparação com 3,5% em 2022”, afirma Medina, da DP World.

A diversificação ainda é a principal abordagem para a reconfiguração da cadeia de suprimentos, mas há uma tendência de regionalização, que reduz o impacto dos custos de transporte e obtém incentivos dos governos.  

“Para além de superar os desafios acima, há outro fator que traz uma grande esperança para as empresas do setor: as práticas ESG dentro de uma cadeia de suprimentos, a fim de atingir menores níveis de emissões, aumentar a eficiência energética e reduzir a pegada de carbono, o que pode melhorar a vantagem competitiva e está ligada a uma recuperação mais rápida pós-crise”, completa o diretor comercial da DP World.

Na Log-In tem sido observada uma demanda do mercado por mais capacidade na cabotagem, de forma a absorver as estimativas de crescimento da indústria e os novos clientes que estão migrando para o modal marítimo e para a multimodalidade. “Com as novas possibilidades geradas pela BR do Mar, as empresas de navegação poderão trazer mais embarcações para suprir esta demanda, o que já está acontecendo. Isso mostra uma tendência de crescimento ainda maior nos volumes a serem transportados”, diz Gurgel.

No caso da Log-In, continua ele, há um plano de expansão da cabotagem. Foi iniciado um novo serviço para Manaus com o emprego de mais dois navios afretados, considerando as alterações regulatórias positivas trazidas pela BR do Mar. E isso promove mais volume para toda a cadeia logística da cabotagem, e seu atendimento, por si só, trará novas demandas para toda a cadeia.

“O desafio, portanto, está na necessidade de aumentar a produtividade dos terminais para atender essa demanda crescente sem impactar as janelas de atracação nos portos; na redução necessária de custos de praticagem, que impactam sensivelmente os custos fixos do transporte marítimo no Brasil; na garantia de formação e qualidade da tripulação marítima brasileira, exigida nos navios que fazem o transporte nacional; e na desburocratização dos processos que englobam o transporte nacional, principalmente junto à Receita Federal, e que ainda precisam ser revistos”, afirma Gurgel.

No Mercosul, a Log-In tem como desafio a busca de crescimento e atendimento a novos mercados. Com este objetivo, aumentou a capacidade em seu Serviço Atlântico Sul. Além disso, segue em busca de emprego de novas tecnologias, inovação e a manutenção do nível de serviço no Trade do Mercosul.

“Tudo isso dentro de um cenário onde os países ainda seguem lutando para voltar a crescer frente a questões macroeconômicas regionais desafiadoras. Hoje, na Argentina, temos mudanças regulatórias que prejudicam o pagamento dos fretes e envio de dólares aos países de origem dos serviços, e este tem sido, certamente, um grande desafio para todos os armadores e players do comércio exterior argentino.”

Lorenzi, da Norsul, acredita que o transporte marítimo nacional seguirá o desafio de resolver gargalos diversos para se consolidar no país, complementando os outros modais como o rodoviário, que é amplamente utilizado. A sustentabilidade da matriz de transportes passa por uma maior utilização do transporte marítimo, combinado com os demais modais. Desta forma, os armadores deverão intensificar ações na busca por melhorias em seus serviços, com foco em melhores práticas ESG, redução de níveis de emissão, digitalização e automatização de seus processos.  

No caso do transporte marítimo internacional, o diretor Comercial da Norsul diz que os principais desafios também estão associados a uma matriz logística mais sustentável e limpa, o que passa pela utilização de combustíveis mais limpos e uma melhor integração multimodal. Outro desafio deste segmento será a busca pelo equilíbrio entre oferta e demanda. As mudanças ocorridas nos últimos anos, em especial 2021 e 2022, levaram os principais armadores a uma intensa busca por construção de novos navios. As empresas deverão estar atentas ao novo equilíbrio econômico gerado por este aumento de oferta, aliado a mudanças nas cadeias logísticas globais, além de mudanças no perfil de demanda e consumo.  

A ausência de incentivo à cabotagem por parte do governo pode ser considerada o principal desafio dos armadores, uma vez que vivenciam a disputa de mercado entre transporte marítimo e terrestre, agora com mais um player com um gigante por trás, aponta, agora, Mendes, da Rio Brasil Terminal. Ainda segundo o CCO, o maior desafio é receber navios de grande porte, uma tendência global e que requer investimentos nos portos brasileiros. “Realidade vivida em portos do hemisfério norte.”

Empresas Participantes

DP World É a empresa responsável pela operação de um dos maiores terminais privados multipropósito do Brasil, na margem esquerda do Porto de Santos, SP. Instalado em área estratégica com acesso por via marítima, rodoviária e ferroviária, o empreendimento conta com 1.100 metros de cais e uma área total de 845.000 m² e capacidade de movimentação anual de 1,2 milhão de TEU e 3,6 milhões de toneladas de celulose.    

Log-In – O grupo Log-In Logística Intermodal oferece soluções logísticas customizadas, movimentação portuária e navegação de cabotagem integrada a outros modais e serviços, conectando, por mar e terra, o Brasil e o Mercosul. Atualmente, possui uma frota própria de sete navios porta-contêineres com capacidade total de 18.050 TEUs e que oferecem serviços de navegação com rotas regulares, integrando os principais portos do país à Argentina e ao Paraguai. Além disso, a Log-In também administra e opera o Terminal Portuário de Vila Velha, localizado no Porto de Vitória, ES, além de dois terminais intermodais, um em Itajaí, SC, e outro no Guarujá, SP, com operações dedicadas.

Norsul – Uma das maiores empresas privadas de navegação e logística integrada do país, busca ampliar a sua presença na cadeia logística de seus clientes, expandindo sua atuação para conectar outros modais a partir da navegação. Especializada no transporte de granéis secos, líquidos e neo-granéis com cargas homogêneas, gerais e de projeto – tanto na cabotagem como no longo curso – possui a maior quantidade de embarcações do setor privado. No Brasil, suas bases de apoio estão nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Santa Catarina. 

Rio Brasil Terminal – Faz parte de uma das maiores empresas portuárias do mundo, a ICTSI – International Container Terminals Service Inc e opera 33 terminais em 20 países. Atendendo aos hubs de importação e exportação que se expandem a sua volta, é capacitada a oferecer serviços para movimentação de contêineres, cargas reefer, cargas de projeto e cargas com classificação IMDG Code, contando com áreas de segregação e armazenagem e dedicadas a esse tipo de carga. Conta, também, com o apoio logístico de REDEX próprio destinado a operações de unitização e pre-stacking de exportação.