Qual é o melhor modelo para o nosso TAV?

O segundo governo Lula descobriu os benefícios de contar com a colaboração privada. Concessão ou Parceria Público-Privada (PPP) para o trem-bala? Uma concessão será viável se o empreendedor tiver interesse em assumir tantos riscos em projeto totalmente novo, de tão longa maturação. A maioria das concessões brasileiras foram realizadas em infra-estruturas existentes, com demanda conhecida, que exigiam pouco investimento complementar e em prazos de no máximo 20-30 anos. Não houve nenhum projeto com duração de 55 anos, como no Eurotúnel, sob o Canal da Mancha. Já a PPP pode ser uma boa opção se o governo for capaz de desenvolver um modelo confiável e atraente para a iniciativa privada. O atual projeto federal será viável? Vejamos:

Para viabilizar uma PPP, o governo deverá aportar recursos e assumir riscos. É necessário fazer uma avaliação antecipada dos investimentos, a mais precisa possível, além de análise credível da demanda; a primeira informará quanto investir, e a segunda dirá se a receita será suficiente para cobrir custos e rentabilizar a atividade privada. E mais, instituir um arcabouço legal e regulatório que inspire a confiança do investidor para assumir riscos de longo prazo. Neste caso temos visto o contrário, com intervenção política nas agências reguladoras (Anac, Anatel, ANP, etc.), além da nomeação, para altos cargos, de companheiros sem experiência no setor.

Os investimentos em empreendimentos semelhantes, em outros países, são orçados por meio de projetos antecipados e detalhados de engenharia, coisa rara no Brasil. Já vêm indicados no traçado da linha, os túneis e viadutos necessários, as desapropriações, a qualidade do solo, obras civis, entre outros requisitos técnicos. Mesmo assim, podem ocorrer erros graves como no Eurotúnel, orçado em US$ 9 bilhões, que acabou custando US$ 19 bilhões, e cuja demanda foi muito menor do que a esperada em estudo extremamente otimista. As "velhinhas" acionistas, francesas e inglesas, e os bancos credores amargam até hoje os prejuízos enormes advindos da absorção compulsória do controle da concessionária deficitária. Hoje em dia, os financiadores só entram no negócio com garantia de preço fixo global, assumida pelos empreendedores ou companhias de seguros. No caso do trem-bala Rio-SP não existe estudo detalhado do projeto, como recentemente confirmou o diretor da ANTT, que ainda pretende realizar uma audiência pública para discutir o traçado da obra (agosto de 2008). Será a licitação pública internacional lançada mesmo em outubro, ou em fevereiro de 2009, como pretendem o presidente Lula e a ministra Dilma, respectivamente? Teremos o trem-bala na Copa de 2014?

E o BNDES – instituição conceituada – realiza estudos sobre o trem-bala, perguntará o leitor? Sim, porém com enfoque principal na demanda de passageiros. Será possível realizar licitação pública somente com este estudo? Haverá bancos e empreendedores interessados no projeto, com poucos estudos confiáveis? Difícil de acreditar.

E no exterior, como se viabiliza um trem-bala ou trem de grande velocidade (TGV)? No passado, principalmente com recursos públicos, como no Japão e na França. Neste país, a primeira linha, Paris-Lyon, foi construída com aportes federais e inaugurada em 1983. Posteriormente, devido à carência de capitais para infra-estruturas, na França e em outros países industrializados, o governo francês decidiu atrair novos parceiros para os TGVs. Inaugurou em junho de 2007, por exemplo, o TGV-EST de Paris a Estrasburgo, sede do parlamento europeu, construído com co-financiamento de 22 parceiros públicos, incluindo o governo, regiões, departamentos e cidades, além do Ducado de Luxemburgo, da União Européia (UE), e de empresas estatais ferroviárias (SNCF e RFF). Será o Brasil capaz de adotar modelo semelhante por meio dos consórcios públicos autorizados por lei federal de 2005?

Estas parcerias públicas, além do mais, não têm sido suficientes para atender à demanda francesa, que procura atrair também o setor privado. O novo TGV-Sud Europa Atlântica (Paris-Tours-Bordeaux) será concedido a um "operador de infra-estruturas", por onde circularão vários operadores europeus de TGVs, além da SNCF francesa. Esta opção lembra o modelo da PPP da Linha 4 do Metrô-SP, cujos trens, sistemas e operação serão de responsabilidade do parceiro privado. Como vimos, existem caminhos disponíveis para desenvolver o projeto, como concessão ou PPP. Os otimistas escolhem a primeira opção; uma empresa italiana estudou o projeto, e acredita em grande demanda anual capaz de viabilizar o projeto privado. Os pessimistas preferem a PPP, com 80% de recursos governamentais. Cabe ao governo fazer a escolha técnica viável, e credível, pelos parceiros e pelo País.

 

Fonte: Revista Ferroviária