São Paulo discute próximos 40 anos de sistema ferroviário

Está em jogo a renovação ou não da concessão de 2.000 quilômetros do principal corredor ferroviário do Estado, que liga o porto de Santos ao Centro-Oeste. Antiga Ferroban, iniciada no século 19, agora chamada de Malha Paulista, as vias estão em poder da Rumo, do grupo Cosan (combustível e agrícola).

Para críticos, o governo federal dará mais 30 anos de concessão (a atual tem mais 10 anos) para a empresa que monopoliza a via para cargas de agricultura e que abandonou 832 quilômetros, deixando regiões sem atendimento.

A proposta da audiência pública é que, em troca da repactuação, a Rumo faça R$ 4,7 bilhões em investimentos, pague outro R$ 1,3 bilhão em outorgas e até R$ 2 bilhões em ressarcimento de dívidas.

A empresa diz que só a mudança de contrato poderá garantir obras que aumentam a capacidade atual em 150%, única maneira de poder operar mais cargas, trechos e compartilhar a via.

O governo defende que a renovação, analisada ao longo de quase dois anos, é a forma de mudar o contrato da privatização das vias, de 1998, na gestão de FHC, permitindo assim o uso por mais empresas e o fim de trechos abandonados.

Após a audiência pública, que deverá incorporar contribuições para melhorar a proposta de contrato, ainda haverá outras etapas até a renovação efetiva. A Folha apurou que ela só sairá com uma medida provisória aprovada e com a solução para todos os trechos da Rumo, que também controla vias que vão ao Sul.

DESENVOLVIMENTO

Ter malha densa é fator importante de desenvolvimento por reduzir custos de transporte. Com cerca de 5.000 quilômetros, o Estado tem extensão comparável à de países desenvolvidos, mas transporta pouco, mal e caro.

A velocidade do transporte é metade da média brasileira. Um de cada três clientes reclama do preço das ferrovias no Brasil.

No caso da Malha Paulista, ela poderia levar 75 milhões de toneladas/ano com as obras. Hoje, carrega 30 milhões e está no limite. Mas 93% do transportado são produtos agrícolas e combustíveis. Na prática, a ferrovia paulista serve mais a Mato Grosso, dizem os críticos.

Jean Pejo, secretário-geral da Associação Latino-Americana de Ferrovias, diz que só 6% das cargas produzidas em São Paulo usam trem. O restante, caminhão.

Isso ocorre por característica do contrato de privatização, que faz empresas privilegiarem trens grandes, para carga agrícola e mineral (chamadas heavy haul), em detrimento de trens menores, de cargas típicas industriais.

Por isso, trechos que não interessam ao heavy haul são abandonados, o que levou o Ministério Público Federal em São Paulo a propor ações contra a empresa por descumprimento das metas do contrato.

O temor dos críticos é que as regras propostas não garantam a volta imediata da operação e que, após a renovação do filé, linhas menos rentáveis sejam abandonadas de vez.

Para Pejo, a chance de mudar essa realidade é com a repactuação dos contratos. Mas em novas bases, garantindo que empresas com expertise específica para cargas em trechos curtos (short lines) possam transportar o que hoje vai de caminhão.

MEDIDA

Estudo dos consultores do Senado Marcos Kleber Felix e João Trindade Filho diz que o marco legal de ferrovias é inibidor de investimentos, em razão da insegurança jurídica.

Renato Kloss, sócio de Infraestrutura do Escritório Siqueira Castro, lembra que o governo tenta mudar contratos das ferrovias desde 2011 sem sucesso e que o modelo proposto agora, baseado numa medida provisória em tramitação, é mais factível.

Na MP, o governo determinou que haverá compartilhamento da via, o que em tese poderia criar concorrência, reduzindo custos aos usuários. A crítica dos clientes é que não há regras claras sobre como trens de outras empresas usam a via, o que mantém a situação atual de monopólio.

Fonte: Folha de S. Paulo