O ritmo forte da economia nos últimos trimestres, aliado à alta dependência do transporte rodoviário, traz à tona novas fragilidades da logística brasileira. Com demanda extremamente aquecida por causa do consumo interno e das exportações, as empresas de transporte rodoviário chegaram ao ponto de recusar cliente por falta de capacidade instalada. Algumas se dão ao luxo até de escolher o cliente, setor ou região que possa dar melhor rentabilidade no serviço.
Pesquisa inédita do Centro de Logística da Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que, nos últimos 12 meses, 82% das 65 transportadoras entrevistadas já recusaram clientes por falta de capacidade ou porque a rentabilidade do serviço não era atrativa. Além disso, 51% afirmam que a oferta de transporte rodoviário de cargas, responsável por 60% de tudo que é movimentado no País, está no limite da capacidade.
Estima-se que o avanço do setor este ano esteja 15% acima do verificado em 2007. Para os próximos meses, a expectativa é de demanda ainda maior, já que tradicionalmente a atividade econômica é mais aquecida no segundo semestre. "A demanda está crescendo bem mais que a oferta", avalia o professor da Coppead/UFRJ, Paulo Fleury, responsável pela pesquisa. Para completar o quadro, diz ele, a expansão da capacidade das empresas tem sido dificultada por filas na entrega de caminhões, que vão de três a nove meses.
"Em tempos de desespero, pegamos o que vem pela frente. Mas, num cenário de demanda forte como a atual, é normal darmos preferência a serviços e clientes mais rentáveis", afirma Djalma Miranda, diretor de planejamento da Transportadora Binotto, a quarta maior do País. Segundo ele, um exemplo de logística de baixa eficiência é o transporte para o Nordeste.
Como a região importa mais produtos do que exporta, os caminhões vão cheios e muitos voltam vazios. "De cada dez veículos que sobem, apenas cinco retornam com cargas. Isso depois de esperarem em média dois dias pelo carregamento, o que significa uma grande perda", diz o executivo. "É muito mais rentável fazer o transporte de uma carga dedicada, em que recebo para ir e para voltar."
Todos esses meandros do setor, que podem até provocar a quebra de uma empresa, se não forem bem dimensionados, incentivaram a Transportadora Americana (TA), do interior de São Paulo, a fazer ampla revisão na estratégia de prestação de serviços. Agora, a empresa – cuja frota é de 400 veículos próprios e 900 de terceiros – está mais focada no transporte de mercadorias de alto valor agregado, como eletroeletrônicos, produtos farmacêuticos, cosméticos e artigos relacionados à indústria têxtil, diz o diretor da TA, Celso Luchiari.
Ele explica que a companhia tem recusado, por exemplo, clientes que vendem para supermercados. "Trata-se de um transporte muito oneroso. Às vezes, o caminhão chega ao local e tem de esperar o dia inteiro para descarregar. Em outros casos é preciso agendar a entrega. Não posso ficar o dia inteiro com um veículo e motorista parados."
Por outro lado, diz ele, essa recusa tem criado um novo nicho de mercado para outros transportadores, que decidiram atender os fornecedores de redes de supermercados. É claro que o custo por todos os entraves está embutido no preço do frete.
Rotas selecionadas
Outro ponto que pesa na decisão das empresas na hora de fechar um contrato são as deficiências da infra-estrutura, em especial o mau estado das estradas nacionais. Algumas transportadoras se recusam, por exemplo, a atender serviços em Minas Gerais por causa das péssimas condições das rodovias, diz Luchiari, da TA. Segundo ele, como no caso dos supermercados, quando a empresa aceita fazer o frete nessas regiões, exige um preço maior.
"As companhias são livres para escolher suas rotas. Não é a melhor saída; o ideal seria ter infra-estrutura boa e economia sem sobressaltos, com crescimento consistente, sem boom de crescimento nem quedas na atividade", observa o presidente da Associação Nacional de Transporte de Carga e Logística (NTC), Flávio Benatti.
As cargas destinadas à exportação também sofrem restrições. Algumas empresas só fazem fretes para alguns portos do País, quando o cliente tem armazém ou estrutura para descarregar a mercadoria no terminal, diz Miranda, da Binotto, que também atua no ramo de distribuição para empresas, como Ambev, Honda e Volkswagen, entre outras. Se não tiver essa estrutura, diz ele, não dá para contratar o frete.
"Há um excesso de demanda que obriga as empresas a serem mais seletivas", diz Edward Montarroyos, diretor da Rapidão Cometa, a terceira maior do País. Na avaliação dele, esse movimento também deve contribuir para a especialização das transportadoras em determinados setores. As companhias maiores tendem a ficar com o fluxo de mercadorias de maior valor agregado, destaca o executivo.
Na avaliação dele, porém, os clientes também estão mais exigentes. "Hoje eles buscam soluções logísticas completas. Tenho inclusive executivos focados na personalização dos serviços", diz. O trabalho da Coppead, que será apresentado no 14º Fórum Internacional de Logística, no Rio, em agosto, mostra bem essa tendência. Entre os transportadores, 89% disseram que os clientes estão cada vez mais exigentes.
Fonte: COPPEAD/UFRJ
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